Do nascimento à morte dos produtos: os desafios da logística reversa de resíduos sólidos

A compreensão quanto ao papel de cada player na logística reversa e os limites da responsabilidade compartilhada impõem atenção aos envolvidos.
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Gabriela Wollertt Tesserolli

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Resíduos sólidos são todos aqueles materiais, substâncias e objetos que, descartados ou não, provêm da atividade humana e que não podem ser lançados na rede pública de esgoto ou cursos d’água, em virtude do seu potencial poluente. Em termos bastante simplificados, são todos os “lixos” – propositadamente entre aspas, pois hoje o que antes era apenas lixo possui valor econômico e é fonte de negócios – resultantes da atividade diária do ser humano.

No curso dos anos, a preocupação social quanto à destinação correta desses resíduos tem aumentado sobremaneira. Talvez (e muito provavelmente) em razão de termos alcançado “ponto de inflexão” quanto à quantidade de lixo produzida e à consequente poluição do ambiente: ou a correta destinação se tornava prioridade ou se tornaria impossível viver em um ambiente equilibrado. 

É essa preocupação que fomentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que instituiu a responsabilidade compartilhada entre o Estado, empresas componentes da cadeia de fabricação e distribuição de bens e os próprios consumidores finais pela redução da quantidade e correta destinação dos resíduos sólidos. 

Para atingir tal objetivo, a PNRS confere às empresas o dever de adoção de uma “mentalidade estratégica” de reuso e descarte que vá do nascimento à morte de seus produtos: é necessário que invistam no desenvolvimento e fabricação de produtos que possam ser reutilizados pelo consumidor, estejam aptos ao reuso no processo produtivo ou a outra destinação ambientalmente adequada. Essas estratégias devem ser adotadas desde a escolha das matérias-primas, às técnicas de fabricação a serem adotadas, até o retorno desse produto à cadeia produtiva ou descarte correto. 

A essas estratégicas, entendidas como um processo a ser adotado, deu-se o nome de logística reversa.

Atualmente, existem alguns produtos que obrigatoriamente estão a ela sujeitos, possivelmente em virtude do seu alto potencial poluente, seja em razão da sua composição ou da alta produção de resíduos derivados. Dentre eles, apenas para exemplificar, estão os produtos que contaminem a embalagem com resíduo perigoso, as pilhas e baterias, os pneus e os produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro.

Ainda que nem a responsabilidade compartilhada ou a logística reversa sejam novidades na legislação ambiental do país (tendo sido instituídas em 2010 e ampliadas entre 2017 e 2022), a sua aplicação prática ainda encontra inúmeros desafios. 

Pode-se citar como desafio interno das empresas sujeitas à responsabilidade compartilhada e logística reversa o entendimento quanto ao seu enquadramento dentro do ciclo de vida do produto – fundamental para que sejam compreendidas as obrigações de tratamento de resíduos que derivam da posição ocupada. Tal compreensão é especialmente desafiadora naqueles casos em que as empresas se enquadram em mais de um setor – seja de importação, produção, comercialização ou distribuição.

Outros desafios relacionam-se à prática da logística reversa na forma como determinada nas normativas específicas dos entes federados e em acordos setoriais e termos de compromissos. Sobretudo porque, por várias vezes, os aludidos instrumentos não atendem as necessidades específicas dos setores que regulam, indispensáveis para a concretização da política ali prevista. 

Ainda, outro desafio está na interpretação conferida pelo Judiciário à legislação. Embora sejam poucos os julgados sobre o tema, existem casos em que os fabricantes de produtos foram responsabilizados pela destinação incorreta dos resíduos sólidos pós-consumo pelos consumidores finais – ignorando que a responsabilidade compartilhada é também voltada ao consumidor que, participante do ciclo de vida do produto, deve destinar corretamente os resíduos dele decorrentes. 

Dito tudo isso, o acompanhamento de qualquer movimento de logística reversa, em quaisquer de suas fases, por assessoria jurídica especializada é a melhor estratégia que pode ser adotada pelas empresas que compõem o ciclo de vida do produto e, portanto, são por eles responsáveis. Essa assessoria é indispensável tanto de forma preventiva, para auxiliar a empresa na tomada de decisão acerca da política a ser adotada, quanto de forma repressiva, para combater excessos e aplicações equivocadas da legislação e dos acordos e termos firmados – que podem, inclusive, gerar penalidades financeiras às empresas que não os observam.

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