Novo tipo de ato de improbidade

A concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário pode configurar ato de improbidade

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A Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa (LIA), é aplicável a qualquer agente público – inclusive políticos –, bem como a terceiros particulares que tenham concorrido ou se beneficiado de ato de improbidade praticado pelo agente público.

Até o final do ano de 2016 existiam apenas três tipos de atos de improbidade. Primeiro: o art. 9º da LIA, que trata dos atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito, exigindo-se para sua configuração a existência de dolo do agente, ainda que genérico, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (vide, p. ex., STJ, REsp 1508169/PR, DJe 19.12.2016). Segundo: o art. 10 da LIA, que trata dos atos de improbidade que, ainda que culposos, causam prejuízo ao erário. Terceiro: o art. 11 da LIA, que trata dos atos de improbidade, necessariamente dolosos, que atentam contra os princípios da Administração Pública, tais como a honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Porém, em 30.12.2016 foi publicada a Lei Complementar nº 157, que incluiu na LIA o art. 10-A, que trata dos atos de improbidade decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário. Trata-se de novo e quarto tipo de ato de improbidade, assim previsto: “Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003”.

O art. 8º-A da Lei Complementar nº 116/2003 – referido no novo art. 10-A da LIA – trata do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS ou ISSQN). Este dispositivo, incluído pela Lei Complementar nº 157/2016 (a mesma que criou o art. 10-A na LIA), prevê que a alíquota mínima do ISS é de 2%. Prevê também, no seu §1º, que o imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%, exceto para serviços listados nos itens 7.02, 7.05 e 16.01 no Anexo da Lei.

Observa-se que a ressalva contida no §1º do art. 8º-A diz respeito aos serviços de: (i) execução de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos, exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local, sujeito ao ICMS – item 7.02; (ii) reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres, com a mesma exceção do caso anterior – item 7.05; e (iii) transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquático de passageiros – item 16.01.

Na verdade, o art. 8º-A da LC 116/03 apenas manteve os limites previstos no art. 88 do Ato e Disposições Constitucionais e Transitórias (ADCT), o qual, inclusive, já foi fundamento para o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de lei municipal que reduzia alíquota do ISS abaixo de 2% (ADPF 190/SP, julgada em 29.09.2016).

Assim, pelo novo art. 10-A da LIA, haverá ato de improbidade administrativa quando o ente público: (i) fixar alíquota do ISS em patamar inferior a 2%; e/ou (ii) conceder isenção, incentivo ou benefício tributário ou financeiro relativo ao INSS que resulte em carga tributária inferior a 2%.

Entende-se que para a configuração da improbidade prevista no art. 10-A será exigível o dolo do agente público, tendo em vista que o dispositivo não prevê a possibilidade de ato culposo (como ocorre no art. 10, referente aos atos que causam dano ao erário). Assim, pela adequada interpretação restritiva da norma punitiva, reputa-se impossível a configuração do ato de improbidade sem a má-fé.

No entanto, não se ignora a possibilidade de eventualmente o Superior Tribunal de Justiça dar interpretação diversa ao dispositivo para admitir a modalidade culposa. Seria possível trilhar o raciocínio de que a redução da alíquota do ISS abaixo do patamar mínimo de 2% significa renúncia de receita e, portanto, dano ao erário. De qualquer forma, não parece ser este o raciocínio mais adequado, pois o legislador não previu a hipótese de culpa para o art. 10-A.

Por fim, cabe observar que não obstante a publicação da LC nº 157/2006 já tenha ocorrido, o novo dispositivo da Lei de Improbidade só surtirá efeitos a partir de 30.12.2017. Isto porque, de acordo com o art. 7º, §1º da LC 157/2016, o dispositivo só surtirá efeito após o decurso do prazo referido no art. 6º da mesma lei, segundo o qual “os entes federados deverão, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei Complementar revogar os dispositivos que contrariem o disposto no caput e no §1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 13 de julho de 2003”.

Assim, os entes públicos terão até o dia 30.12.2017 para regularizar suas legislações relativas ao ISS para garantir o patamar mínimo de 2%. Após esta data, salvo para os serviços excetuados no final do art. 8º-A da LC 116/2003, se houver fixação de alíquota de ISS inferior a 2% – seja por legislação ou por benefício fiscal – poderá ser caracterizado o ato de improbidade, com responsabilização do agente público e possivelmente do particular beneficiado com a redução do tributo.

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