A apresentação do Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 68/2024, pelo Governo Federal, deu início à regulamentação da Reforma Tributária do Consumo, introduzida pela Emenda Constitucional 132/2023. A norma __ composta de 499 artigos com a árdua missão de instituir e regulamentar os dois novos tributos (IBS e CBS) criados em substituição dos cinco tributos mais complexos vigentes (ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI) __ trouxe consigo um cenário de grande incerteza.
Pelo Governo Federal, o discurso que orienta a reforma é a promoção da simplificação, da justiça fiscal e a modernização do sistema tributário brasileiro. E com este intuito, as mudanças promovidas pela reforma são estruturantes, alteram completamente um sistema tributário em vigência desde 1988, inclusive do ponto de vista federativo, centralizando os poderes de gestão e divisão do produto da arrecadação.
Enquanto os setores da economia processam os impactos da reforma sobre suas atividades e mapeiam os prós e contras do Projeto de Lei n.º 68/2024, alguns contribuintes já vislumbram um relevante impacto sobre a sua tributação e, sobretudo, já anteveem obstáculos na implementação das novas regras. É o caso dos contribuintes titulares de regimes especiais de tributação, que contam com benefícios fiscais concedidos por negociação com os estados.
Estes contribuintes já vinham sendo impactados pelas oscilações de entendimentos jurisprudenciais e alterações normativas quanto à repercussão destes benefícios na apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro.
Vale lembrar que a concessão destes benefícios fiscais é diretamente relacionada com as estratégias políticas e econômicas dos estados para atração de investimentos, geração de renda e empregos em determinadas regiões ou determinados segmentos econômicos a serem desenvolvidos. Embora uma consequência negativa desta política fazendária seja a guerra fiscal entre os estados-membros, é inegável que o oferecimento de condições tributárias privilegiadas, ainda que condicionadas a contrapartidas de investimento, seja uma boa moeda para os estados e uma oportunidade de incrementar a competitividade para as empresas.
Créditos presumidos de ICMS, regimes diferenciados de recolhimento e apuração, diferimentos, isenções, muitos são os benefícios concedidos pelos governos estaduais no âmbito de seus balcões de negócios. De outro lado, empresas titulares destes benefícios, muitas vezes pactuados em acordos de longa duração, assumem obrigações de promoção de investimentos e desenvolvimento de atividades no território do estado, inclusive mobilizando suas unidades produtivas.
Neste ambiente em que o ICMS constitui a principal moeda de troca, a mera notícia da extinção do tributo e da superveniência de um novo sistema tributário marcado pela supressão de regimes especiais faz acender uma luz amarela de atenção para todos os stakeholders.
Para acalmar os ânimos desta categoria, a Reforma Tributária do Consumo estabeleceu a criação de um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros Fiscais, para o qual será destinado um grande volume de recursos durante a fase prevista para a transição da reforma, entre 1º de janeiro de 2029 e 31 de dezembro de 2032. Em teoria, a gradativa supressão dos benefícios fiscais e a compensação de perdas por meio do Fundo de Compensação daria conta de suprimir os efeitos da reforma para estes contribuintes.
O art. 371 do PLP n.º 68/2024 estabelece que as pessoas físicas ou jurídicas titulares de benefícios onerosos relativos ao ICMS serão compensadas por recursos desse Fundo. Os parâmetros de tal compensação vão variar de acordo com os critérios e limites para apuração do nível de benefícios e de sua redução e com os procedimentos de análise dos requisitos para habilitação do requerente à compensação.
Dentre os critérios já estabelecidos para fazer jus à compensação, destacam-se: a exclusão dos custos, despesas e investimentos realizados como condição para fruição dos benefícios onerosos, bem como da exigência de contribuição a fundo estadual. Tais rubricas são bastante representativas no orçamento das empresas, e a perspectiva de que não serão consideradas para fins de compensação no futuro pode ser um desestímulo ao cumprimento das condições dos regimes especiais desde já.
A regulamentação da compensação dos benefícios fiscais ainda não é definitiva, mas já deve orientar algumas ações e planejamento por parte das empresas que se encontram em negociação de regimes especiais, diante da perspectiva de tais investimentos não atingirem uma expectativa de retorno planejada em função dos efeitos da reforma. Para as empresas que já têm regimes especiais de longo prazo em vigência, seria possível, por exemplo, tentar identificar na reforma um evento ensejador de rediscussão das condições pactuadas, em prol da neutralidade.
Ainda há um quê de provisoriedade na regulamentação e operacionalização da Reforma Tributária quanto aos benefícios fiscais e financeiros de ICMS. Porém, considerando os critérios já estabelecidos no PLP n.º 68/2024 para mitigar os efeitos e a postura do Governo quanto à extinção dos regimes diferenciados, é possível dizer que já há motivos para se repensar as condições e o cumprimento das obrigações dos atos concessivos.