O jogo virou: como os editais estão reescrevendo as regras do saneamento

Novo Marco Legal do Saneamento Básico impulsiona positivas mudanças nos editais, trazendo boas práticas para o setor.
Rodrigo-Pinto-De-Campos

Rodrigo Pinto de Campos

Sócio da área de infraestrutura e regulatório

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Desde a promulgação da Lei n.º 14.026/2020, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, o setor tem passado por importantes mudanças. Quatro anos depois, observa-se um avanço considerável, refletido principalmente nas evoluções dos editais de licitação. A seguir, exploraremos algumas dessas transformações, observando como novos critérios de julgamento, exigências financeiras e boas práticas vêm sendo incorporados aos processos licitatórios. O foco principal tem sido garantir a universalização dos serviços até 2033, seguindo critérios mais objetivos e técnicos, com o objetivo de atrair investimentos e garantir sustentabilidade financeira aos projetos.

Critérios de julgamento: de subjetivos a objetivos

Uma das principais mudanças observadas tem sido uma clara transição de critérios de julgamento de propostas, passando de abordagens subjetivas para objetivas. Muitos editais utilizam o critério de “técnica e preço”, que, apesar de legítimo, pode introduzir um nível indesejável de subjetividade na avaliação. A técnica, por si só, nem sempre é suficiente para garantir a melhor escolha no setor de saneamento.

Essa evolução pode ser observada em editais recentes dos estados de Sergipe, Piauí e Rio de Janeiro, nos quais foram adotados critérios objetivos, como, por exemplo, o de maior outorga. Isto proporciona mais segurança jurídica e previsibilidade ao processo licitatório, reduzindo o risco de questionamentos e litígios posteriores. A objetividade dos critérios tem sido essencial para atrair novos investimentos ao setor, uma vez que garante maior transparência nos critérios e, por consequência, maior confiança dos licitantes.

Exigência de capacidade de captação de recursos

Outra evolução marcante tem sido a maior exigência em relação à qualificação técnica dos concorrentes, especialmente no que tange à capacidade de captação de recursos. Com a implementação do Novo Marco Legal, ficou claro que os projetos de saneamento básico exigirão elevados aportes financeiros para alcançar as metas de universalização. Segundo dados do “Ranking do Saneamento 2024”, do Instituto Trata Brasil, seriam necessários mais de R$ 47 bilhões anuais em investimentos até 2033 para atingir os objetivos estabelecidos pela lei.

Nesse contexto, os editais começaram a exigir comprovação da experiência dos licitantes em captação de recursos. O objetivo é garantir que as empresas tenham a solidez financeira necessária para realizar os investimentos iniciais e, ao mesmo tempo, consigam captar recursos ao longo da execução do contrato. Tal medida busca minimizar o risco de interrupção de obras por falta de financiamento, algo crítico em projetos de longa duração e alto impacto social, como os de saneamento básico.

Integralização de capital: garantia financeira

Outra exigência que passou a ser comum nos editais é a integralização de capital como condição para a assinatura do contrato. Essa prática visa assegurar que a futura concessionária tenha recursos financeiros próprios já alocados, prontos para serem utilizados caso surjam necessidades emergenciais ou desequilíbrios financeiros ao longo da execução contratual.

A integralização de capital é uma garantia adicional para os financiadores dos projetos, que exigem essa comprovação antes de liberar os recursos necessários. Quando o capital é integralizado, ele é formalmente subscrito e incorporado à sociedade de propósito específico (SPE) criada para a execução do projeto. Essa prática oferece segurança adicional para os agentes financiadores e, em último instância, para o próprio poder concedente, garantindo que o concessionário tenha meios de cumprir com suas obrigações contratuais.

Outras boas práticas

Além das mudanças nos critérios de julgamento e nas exigências de qualificação, boas práticas também têm sido incorporadas aos editais. Entre elas, destacam-se o compartilhamento de riscos entre o poder concedente e a concessionária e a instituição da operação assistida, que estabelece uma fase de transição para garantir a continuidade dos serviços.

Também houve uma crescente adoção de indicadores de desempenho nos contratos de saneamento, prática usual em concessões comuns e Parcerias Público-Privadas (PPPs). O incentivo ao atendimento destes indicadores é essencial para acelerar a universalização dos serviços, sendo capaz de orientar contínua evolução da qualidade, refletindo diretamente na satisfação da população.

Tudo somado, é patente a evolução dos projetos de saneamento básico após a entrada em vigor do Novo Marco. Se é verdade que os desafios a serem superados para atender aos prazos legais de universalização ainda são imensos, também é indiscutível que esta tarefa hercúlea pode ser facilitada com a disseminação de modelagens mais racionais e capazes de prover segurança jurídica e previsibilidade ao setor privado.

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