O que fazer quando a pandemia da Covid-19 cancela seus planos de viagem

Compreenda o impacto das Medidas Provisórias nºs 925/2020 e 948/2020 sobre o cancelamento de reservas e serviços contratados junto ao setor turístico.
Laura

Laura Graner Pereira

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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O estado de calamidade pública em território nacional foi decretado por meio do Decreto Legislativo nº 06/2020, promulgado em 20.03.2020. A edição do decreto se justificou pela pandemia da COVID-19 declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11.03.2020.

É certo que o avanço da pandemia da COVID-19 impôs severas restrições de circulação de pessoas, com o intuito de retardar a disseminação do novo coronavírus. Daí a inevitável conclusão de que o setor de serviços, mormente aquele ligado ao turismo, é um dos mais impactados com tais restrições.

As viagens turísticas ficaram restritas, de modo que a emissão de bilhetes aéreos, reservas de hotéis e outros serviços passaram a ser alvo de recorrentes pedidos de cancelamento por parte dos consumidores. Naturalmente, houve queda exponencial do faturamento – senão a quebra – das empresas ligadas ao turismo. Cite-se aqui o pedido de recuperação judicial requerido pelas Companhias Aéreas LATAM, Avianca, Aeromexico, bem como o pedido de recuperação formulado pela locadora de veículos Hertz.

A perspectiva sólida de normalização das operações do setor, todavia, é incerta, pois o estado de calamidade pública deve permanecer até 31.12.2020, de acordo com o artigo 1º do Decreto Legislativo nº 6 de 2020.

Diante desse cenário foram editadas as Medidas Provisórias nºs 925/2020 e 948/2020. Vigentes a partir de 19.03./2020 e 08.04.2020, respectivamente, ambas foram prorrogadas por mais 60 (sessenta) com vistas a preservar o mercado turístico da crise perpetrada pela pandemia da COVID-19.

A Medida Provisória nº 925/2020 aplica-se exclusivamente às empresas do ramo de aviação civil. Em seu artigo 3º, consigna que é prorrogado em 12 meses o prazo das companhias aéreas para reembolsar valor pago pela aquisição dos bilhetes aéreos aos passageiros. Ressalte-se que tal dispositivo, em seu parágrafo primeiro, assegura a isenção de penalidades contratuais, como taxas ou multas, caso os consumidores aceitem o creditamento do preço pago pela passagem aérea para utilização em compras futuras no prazo de 12 meses contados da data do voo inicialmente contratado.

Ao seu passo, a Medida Provisória nº 948/2020 é aplicável aos prestadores de serviços turísticos elencados no artigo 21º da lei nº 11.771/2009, também chamada Lei Geral do Turismo, abrangendo meios de hospedagem, agências e operadores de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos e acampamentos turísticos. Por consequência, as disposições constantes na MP nº 948/2020 não se aplicam às companhias aéreas, que se sujeitam unicamente à Medida Provisória nº 925/2020.

O artigo 2º da MP nº 948/2020, prevê que, enquanto estiver em vigência, na hipótese de cancelamento dos serviços contratados junto às empresas supracitadas, ao consumidor devem ser asseguradas três opções: a remarcação, o creditamento de valores ou outro acordo a ser firmado com os fornecedores e prestadores de serviços.

A remarcação de serviços e reservas deve levar em consideração o valor originalmente contratado e obedecer ao critério de sazonalidade (temporada alta, baixa, feriados, etc.) que pode implicar aumento do valor da remarcação. A segunda opção constitui a disponibilização de crédito ao consumidor, do valor despendido na contratação de serviços e reservas, para compras futuras.

Tanto a remarcação quanto o creditamento deverão ocorrer no prazo de até 12 meses após a declaração do fim do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06/2020, sendo vedado aos fornecedores e prestadores de serviços exigir e cobrar de custos adicionais referente à taxas ou multas para essas diligências. A terceira opção facultada trata da negociação entre consumidores e fornecedores de acordo com sua conveniência.

O parágrafo quarto do artigo 2º da MP nº 948/2020 estabelece que o reembolso dos valores pagos pela contratação de serviços e reservas é medida extrema e somente pode ser requerido caso os fornecedores se vejam impossibilitados de ofertar as três alternativas acima colocadas. Isso quer dizer que quaisquer tipos de reembolsos ou devoluções somente podem ser realizados salvo impossibilidade de crédito, remarcação ou negociação, e deverão ocorrer no prazo de 12 meses contados da data de encerramento do estado de calamidade pública, mediante atualização monetária pelo índice IPCA-E.

Com esse espírito, a Secretaria Nacional do Consumidor interpretou a MP nº 948/2020 mediante expedição da Nota Técnica n.º 24/2020. Dela se extrai que “os consumidores não têm um direito imediato ao reembolso […] seu exercício depende da falta de alternativas ofertadas”.

Evidencia-se que as disposições expressas nas Medidas Provisórias nºs 925/2020 e 948/2020 visam reduzir o impacto financeiro causado ao setor de turismo pela pandemia da COVID-19. Paralelamente, buscam assegurar aos consumidores a restituição da situação que se encontravam quando da contratação dos serviços em momento anterior à pandemia.

Seguindo essa lógica (ainda que por meio de redação equivocada), o legislador previu no artigo 5º da MP 948/2020 que, em caso de cancelamento dos serviços e de reservas, é incabível indenização por danos morais ou aplicação de multa aos fornecedores. O cancelamento dos serviços em decorrência do estado de calamidade pública em virtude de uma pandemia global não se afigura ilícito civil passível de ensejar indenização por danos morais, muito menos essa situação pode ser encarada como risco do negócio dos fornecedores ligados ao ramo do turismo.

A análise das Medidas Provisórias nº 925/2020 e 948/2020 permite concluir que elas foram editadas com o objetivo de proteger financeiramente as empresas atreladas ao setor do turismo que, em virtude da pandemia, têm a manutenção de sua existência colocada em risco. Obviamente que o encerramento das atividades, ou mesmo a falência dos fornecedores desse setor, implica risco aos direitos dos próprios consumidores, de modo que o legislador pretendeu garantir a subsistência dessas empresas com o intuito de fazer prevalecer os interesses dos consumidores de modo reflexo.

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