Síntese
Em março de 2019, o STF decidiu por sua competência para julgar o conflito federativo entre a União e o Estado de São Paulo acerca do serviço público de distribuição de gás canalizado. Enquanto isso, no Congresso Nacional, o projeto de uma nova Lei do Gás segue em trâmite. Os resultados de ambas alterações institucionais podem ser cruciais para fazer deslanchar o setor do gás natural no país.
Comentário
O Supremo Tribunal Federal (STF) se declarou competente para decidir o litígio entre a União e o Estado de São Paulo envolvendo o serviço público de distribuição de gás natural liquefeito, através do julgamento pela procedência da Reclamação (Rcl) 4210, pela Segunda Turma da Corte, no último dia 26.03.19. Concluiu tratar-se de um conflito federativo, nos termos do art. 102, I, ‘f’, da Constituição Federal.
A controvérsia envolve o Projeto Gemini, desenvolvido pela sociedade de economia mista federal Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e a empresa privada White Martins. O empreendimento prevê que a Petrobrás traga o gás natural da Bolívia, por meio do Gasoduto Brasil-Bolívia (GasBol), entregando-o à White Martins no Município de Paulínia, Estado de São Paulo. A empresa, por sua vez, realizará a liquefação do insumo, entregando-o, em seguida, à GNL Gemini – Comercialização e Logística de Gás Ltda., para comercialização do gás.
Entendendo que o serviço público de distribuição de gás canalizado compete aos Estados, nos termos do art. 25, § 2º, da Constituição – que determina que cabe a estes explorar, diretamente ou através de concessão, os referidos serviços – e que o empreendimento viola essa atribuição, a então Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), do Estado de São Paulo, sucedida pela atual ARSESP (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo), editou uma portaria com vistas à regulação da distribuição de gás canalizado por meio de gasodutos.
Assim, a Petrobrás, a White Martins, a GNL Gemini, a TBG Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. e a União ajuizaram ação na Justiça Federal questionando a portaria, sob o fundamento de que o fornecimento do gás natural oriundo da Bolívia, nos moldes do Projeto Gemini, consiste apenas em atividade de transporte, que compete à União, nos termos do art. 177, IV, da Constituição. Na ocasião, o juízo de primeiro grau concedeu tutela antecipada determinando que o Estado de São Paulo deixasse de praticar quaisquer atos contra o Projeto Gemini.
Em contrapartida, o Estado de São Paulo e a CSPE ajuizaram a referida Rcl 4210 no STF, sob o argumento de se tratar de conflito federativo, cuja competência para julgamento seria do Supremo, nos termos da Constituição. A relatora originária, a ministra aposentada Ellen Gracie, determinou, em sede de liminar, a suspensão da tramitação da ação na Justiça Federal até que a Rcl 4210 fosse finalmente julgada pela Corte.
Por seu turno, o atual relator, ministro Ricardo Lewandowski, confirmou a referida liminar. Seu voto foi no sentido de que o STF é competente para julgar o litígio, nos termos da Constituição, uma vez que o conflito envolve vultosos interesses econômicos da União e do Estado de São Paulo. Desse modo, o juízo federal de primeiro grau teria usurpado a atribuição do Supremo para julgar o caso quando da concessão da tutela antecipada.
Assim, o relator votou pela procedência da Rcl 4210, reconhecendo a competência do STF para julgar o conflito, bem como para cassar a decisão da Justiça Federal de Primeiro Grau de São Paulo, determinando a remessa dos autos à Corte. A votação foi unânime na Segunda Turma, com participação dos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
A decisão e suas potenciais consequências somam-se ao cenário recente de alteração no setor de gás no país. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.407/13 (PL 6407/13), de autoria do Dep. Mendes Thame (PSDB/SP), que dispõe sobre medidas para fomentar a indústria do gás natural, bem como altera a Lei Federal nº 11.909/09, conhecida como Lei do Gás. O PL aguarda apreciação conclusiva das comissões e encontra-se, neste momento, na Comissão de Minas e Energia (CME), cujo prazo para apresentação de emendas se encerrou em 03.04.19.
Cabe dizer, ainda, que o PL 6.407/13 já contempla as alterações sugeridas pela iniciativa “Gás para Crescer”, concebida pela gestão federal anterior. Idealizada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), a iniciativa tem por objetivo implementar um novo desenho do mercado de gás natural no país, aperfeiçoar regras tributárias e aprimorar a integração entre o setor elétrico e o de gás. Também está prevista a liberalização do mercado, através do aumento da participação dos consumidores livres e da gradual redução da participação da Petrobrás no setor, permitindo, assim, a entrada de novos atores na cadeia produtiva de gás natural no Brasil.