O uso de metodologias construtivas mais eficientes configura superfaturamento de obra pública?

Para o TCU, a adoção, pelo contratado, de metodologia mais racional e econômica que a prevista em projeto básico pode configurar superfaturamento.
Murilo-Cesar-Taborda-Ribas

Murilo Taborda Ribas

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

No Acórdão n.º 1.151/2024 do Plenário, o Tribunal de Contas da União concluiu que a utilização, pelo contratado, de metodologia construtiva mais racional e econômica que a prevista em projeto básico, sem reequilíbrio econômico-financeiro em favor da Administração, configura superfaturamento, face à apropriação de ganhos excessivos em relação ao orçamento referencial. No entanto, o entendimento deve ser revisitado à luz da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n.º 14.133/2021).

Comentário

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu decisão com impacto sobre o setor de construção, mais especificamente, sobre os contratos de execução de obras públicas. O principal tema debatido no Acórdão n.º 1.151/2024 do Plenário se refere às consequências jurídicas do uso, pelos contratados, de metodologias construtivas mais eficientes do que as previstas pela Administração.

O processo que originou a deliberação dizia respeito a uma auditoria realizada pelo TCU em obras de implantação e pavimentação de trechos rodoviários da BR-448, especialmente, sobre contratos celebrados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT) para executar as referidas atividades. Ao longo da fiscalização, a auditoria identificou que, em diversos serviços, os contratados alteraram as metodologias construtivas constantes dos projetos básicos elaborados pela Administração, sem a respectiva formalização de termo aditivo – utilização de fôrmas e estruturas distintas, modificações em itens de mobilização e desmobilização, e aquisição de insumos por fontes que não haviam sido previstas, por exemplo.

Ao avaliar os achados, o Plenário do TCU entendeu que havia irregularidade na referida divergência, considerando que alterações desta natureza deveriam conduzir ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor da Administração. E foi além: na visão do órgão de controle, a divergência configuraria superfaturamento, considerando que os contratados teriam se apropriado de ganhos excessivos ao utilizarem metodologia construtiva mais racional e econômica do que as constantes nos projetos básicos, que continham método ineficiente e antieconômico.

O racional adotado pela decisão não é uma novidade no TCU: trata-se de interpretação reproduzida no Roteiro de Auditoria de Obras Públicas, aprovado pela Portaria-SEGECEX n.º 33/2012, que orienta a fiscalização de contratos de obras públicas pelas unidades técnicas do Tribunal. Essa interpretação acaba por causar impactos negativos no setor, na medida em que não gera incentivos aos contratados para identificar soluções técnicas e metodologias construtivas mais eficientes para a conclusão da obra pública.

Ocorre que o advento da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n.º 14.133/2021) conferiu um novo tratamento jurídico à questão em seu art. 6º, inciso XXVII. O dispositivo prevê que as matrizes de riscos deverão conter:

  1. no caso de obrigações de resultado, o estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas;
  2. no caso de obrigações de meio, o estabelecimento preciso das frações do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida nos projetos.

A consequência lógica dessa inovação está nos desdobramentos gerados sobre o processo de reequilíbrio econômico-financeiro. Em se tratando de obrigações de meio, as definições da Administração sobre a metodologia construtiva a ser empregada serão vinculantes ao contratado e o risco estará com a Administração Pública. Porém, na hipótese em que sejam obrigações de resultado, o contratado terá autonomia para definição dos meios técnicos mais adequados para o seu cumprimento. Neste segundo caso, tendo em vista que os riscos serão atribuídos ao contratado, os ganhos de eficiência decorrentes da seleção da metodologia construtiva poderão ser apropriados pela empresa. No entanto, caso as definições metodológicas se mostrem ineficientes, os prejuízos serão integralmente arcados pelo contratado.

Assim, as inovações da Lei n.º 14.133/2021 representam um avanço para a eficiência das contratações públicas. A maior atribuição desses riscos aos contratados não só resulta em uma oportunidade de ganho para o setor privado, como também resguarda a Administração de arcar com os eventuais prejuízos decorrentes da escolha de uma metodologia construtiva ineficiente na execução das obras públicas.

Sob a Nova Lei, portanto, a mera alteração da metodologia construtiva não pode mais ser compreendida como hipótese de superfaturamento – deverão ser avaliados a natureza das obrigações contratuais (se de meio ou de resultado) e os riscos a elas associados. Essas novidades exigirão um esforço do TCU e de outros órgãos de controle para revisitar seus entendimentos.

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