Por que empresas ligadas ao saneamento devem se preocupar com o Direito Penal?

Conheça as razões pelas quais empresas ligadas ao setor de saneamento precisam estar atentas também às questões básicas de direito penal.
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Dante D’Aquino

Head da área penal empresarial

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Desde a aprovação do novo marco legal do saneamento, em 2020, pelo Congresso Nacional, que resultou na promulgação da Lei 14.026/2020, o setor ligado ao saneamento experimenta a maior captação de recursos financeiros da história do país. A década de 2020 a 2030 terá o maior investimento de todos os tempos na área ligada ao abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.

De acordo com informações constantes no Portal Saneamento Básico, as maiores corporações privadas do setor no Brasil exemplificam o expressivo volume financeiro que será destinado ao setor nos próximos anos. Dados públicos dão conta de que houve emissões de debêntures que, somadas, levantaram R$ 5,5 bilhões. Cita o portal que já houve a captação de aproximadamente R$ 3,8 bilhões com essa emissão de debêntures.

Estima-se que esta foi a maior emissão incentivada da história do setor de infraestrutura no país, segundo o BNDES. A soma de captação chega a R$ 9,3 bilhões, o que é só uma parte de uma série de outras fontes de captação de recursos pelas duas empresas junto a instituições como o BNDES e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O volume expressivo de recursos financeiros será destinado ao setor para viabilizar o cumprimento de importantes contratos de concessão pública feitas no setor de água e esgoto nos últimos anos.

Situação semelhante é experimentada pelo setor de saneamento ligado à coleta e destinação de resíduos sólidos, dada a nova regra contida no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a qual prevê o fim dos aterros sanitários (lixões) e promete revolucionar o manejo de resíduos sólidos com a implementação de novas tecnologias de geração de energia.

Diante deste cenário, seja no setor de recursos hídricos (água, esgoto e drenagem de água pluviais), seja no manejo e destinação de resíduos sólidos, o certo é que o setor de saneamento produzirá dezenas, talvez centenas, de privatizações, concessões e repactuações com o poder público, a exemplo do ocorrido com a Cedae. E, diante deste contexto, duas esferas sensíveis do ponto de vista jurídico devem ser observadas. A primeira, relacionada a eventuais crimes licitatórios; a segunda, relacionada a crimes ambientais.

Em breves palavras, pode-se destacar, portanto, duas diretrizes legais que devem ser cuidadosamente observadas pelas empresas que operam no setor de saneamento – a nova lei de licitações e contratos administrativos (Lei 14.133/2021) que já alcançou plena vigência; e a Lei 9.605/98, chamada de lei dos crimes ambientais. Oportuno trazer aqui que as duas leis possuem comandos fundamentais que podem, desde logo, ser conhecidos.

Em relação ao aspecto ambiental, pode-se exemplificar, concretamente, que algumas práticas podem ser consideradas lesivas ao meio ambiente, sobretudo no manejo dos resíduos sólidos e do chorume, o que poderá ser considerado crime ambiental, resultando aplicação de sanções que, ao cabo, irão impactar as metas estipuladas previamente no contrato de concessão, bem como no equilíbrio econômico-financeiro da prestação do serviço por parte da empresa concessionária.

Resumidamente, oportuno esclarecer que, em 1998, com a edição da Lei 9.605/98, o legislador regulamentou, de forma expressa, a responsabilidade penal da empresa pelo dano ao meio ambiente e, na oportunidade, previu a possibilidade de aplicação de penas à pessoa jurídica e física causadora do dano ambiental. Portanto, a incriminação das condutas lesivas ao meio ambiente praticadas por pessoas jurídicas é possível e deve ser levada em consideração no contexto das empresas que atuam no setor de saneamento.

Note-se, por exemplo, que, na hipótese de responsabilização da pessoa jurídica pelo crime ambiental, poderão ser aplicadas penas de a) suspensão parcial ou total de atividades, quando as pessoas jurídicas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares relativas à proteção do meio ambiente; b) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar; c) proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, por até dez anos.

Por outro lado, em relação à questão contratual propriamente dita, algumas observações gerais podem ser feitas, ainda que aplicáveis somente às empresas (ou negócios jurídicos de determinadas empresas) submetidas ao regime da Lei 14.133/2020, isto é, ao regime geral das licitações. É que, com a edição da nova lei de licitações e contratos administrativos, destacou-se o aumento da pena imposta a quem “admite, possibilita ou dá causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”. Ou seja, os casos em que a dispensa ou inexigibilidade de licitação revela-se fraudulenta. Nessa hipótese, a pena passa a ser de reclusão de quatro a oito anos. Oportuno consignar que a pena, quando na modalidade de “reclusão” e não “detenção”, admite o regime inicial fechado.

Ainda em relação a essa mudança, atente-se que a pena mínima, quando superior a quatro anos, impede a substituição por restrição de direitos (artigo 43 e 44 do Código Penal), bem como proíbe a realização de acordo de não persecução penal – ANPP – instituto previsto na lei anticrime que faz parte da nova sistemática de composição da justiça criminal voltada a reduzir a carga de processos criminais dos foros.

A mudança nos patamares das penas, característica que marca a nova lei de licitações, traz importantes consequências jurídicas para os comportamentos previstos que, observe-se, não apresentam violência à pessoa (geralmente a exposição de motivos da lei que justifica o aumento de pena para determinados tipos é acompanhada de argumentos que se apoiam na violência das condutas). A prática de contratação direta ilegal era prevista no artigo 89 da Lei 8.666/93, com pena de três a cinco anos de “detenção”. O regime punitivo, que era mais brando e permitia a substituição da pena por prestação de serviços comunitários, foi alterado.

Observa-se, ainda, a mudança na conduta de “frustrar ou fraudar” o caráter competitivo da licitação. Um dos mais importantes modelos de conduta proibida – reúne grande discussão judicial – agora está disposto no artigo 337-F do Código Penal. A pena, da mesma forma, foi alterada. Reclusão de quatro a oito anos, além de multa. Ou seja, mesmo sendo conduta sem violência, ganhou tratamento severo pelo novo diploma, impedindo-se o acordo de não persecução penal, bem como a substituição da pena por medida alternativa à prisão.

Assim como a fraude ao caráter competitivo, as cinco hipóteses de fraude à licitação, ou ao contrato dela decorrente (antigo artigo 96, e agora 337-L), também tiveram pena elevada para o patamar de quatro a oito anos de reclusão, constituindo, juntamente com os anteriores, as maiores sanções da Lei 14.133/21.

Por fim, o artigo 337-M do Código Penal foi inserido para estabelecer pena de três a seis anos de reclusão para quem celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo; ou afastar ou tentar afastar licitante por meio de violência, grave ameaça ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo (cinco anos de reclusão); pune-se também aquele que se abstém ou desiste da licitação em razão da vantagem oferecida.

Em linhas gerais, portanto, temos que o expressivo volume financeiro de investimentos no setor de saneamento deve ser igualmente acompanhado de um trabalho consultivo preventivo a fim de se evitar que, envolvidas em grande volume de contratos e serviços, empresas da área de saneamento sejam implicadas em questões criminais e comprometam o atingimento de metas fundamentais ao desenvolvimento social do país.

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