Reequilíbrio econômico nos contratos de locação e suas consequências

A situação decorrente da pandemia resultou em discussões sobre a possibilidade de revisão de contratos locatícios para o reequilíbrio econômico, ensejando análise crítica da atual modelagem dos contratos e delimitação de risco
Diego-Ikeda

Diego Ikeda

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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Muito vem se discutindo sobre os impactos da pandemia em razão da disseminação do Covid-19 em diversas relações jurídicas, inclusive envolvendo contratos de locação, considerando, sobretudo, o inevitável agravamento da situação econômica de empresas e, consequentemente, de particulares. O resultado é nada mais do que o descumprimento de obrigações contratuais, notadamente no que diz respeito ao pagamento.

Neste contexto, evidencia-se expressivo aumento da judicialização de discussões envolvendo esses contratos, levando ao crivo do Judiciário a análise da (im)possibilidade de revisão com base nos institutos da força maior, caso fortuito, menor onerosidade e até mesmo da exceção do contrato não cumprido.

Entretanto, a revisão de aluguéis é medida excepcionalíssima, não sendo possível considerá-la indistintamente sob pena de banalização do próprio contrato, que estipula obrigações para ambas as partes. Nesse sentido, o Código Civil esclarece que o devedor não responde por prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se expressamente não houver por eles se responsabilizado. Isso revela a necessidade de demonstração do atingimento da capacidade de pagamento por situação imprevisível.

Contudo, as decisões judiciais demonstram que não há regra quanto à redução ou suspensão dos aluguéis dada a complexidade da discussão e necessidade de análise do caso concreto. Os julgadores têm se restringido à perquirição dos motivos que remontam ao sustentado desequilíbrio contratual contemporâneo ao pedido revisional. A dificuldade reside justamente na interpretação de quais causas poderiam justificar essa medida drástica aos olhos dos princípios contratuais.

Neste ponto também deve se destacar que, apesar de ser controvertido, é fácil perceber a tendência em considerar o locatário como hipossuficiente comparado ao locador. Bem verdade é que se deve considerar a relação paritária, não sendo crível defender a vulnerabilidade de uma perante a outra, visto que ambas possuem o pleno conhecimento de todos os riscos envolvidos no contrato antes mesmo da assinatura.

Neste esteio indaga-se: a perda de emprego pelo locatário pode ser considerada como fato imprevisível que justifique a revisão do contrato locatício?

É importante frisar que o desemprego pode ocorrer tanto em época de pandemia como em situações normais. Ou seja, ao assinar o contrato, o locatário assumiu a obrigação de efetuar o pagamento mesmo na hipótese de redução da capacidade econômica. São situações assim que são levadas ao Judiciário, demonstrando a dificuldade em estabelecer regra aplicável em todos os casos.

Esses entraves também são verificados em relações locatícias comerciais, apesar de algumas diferenças. As medidas de distanciamento social adotadas por Estados e Municípios incluíram restrições de funcionamento de atividades empresariais como, por exemplo, shoppings centers, mediante proibição de funcionamento e atendimento ao público, o que impactou negativamente na atividade econômica de lojistas pela abrupta queda no faturamento.

A inegável redução de faturamento e a impossibilidade de retomada das atividades por vedação sanitária ocasionam, sem dúvidas, desequilíbrio contratual, impossibilitando o lojista de arcar com os aluguéis conforme convencionado. Por outro lado, o shopping center não pode decidir, unilateralmente, continuar faturando mesmo impossibilitada de entregar a contrapartida que justificou a contratação. Nenhuma das partes é culpada culpa pela situação, não sendo crível que uma delas seja prejudicada.

Outro setor bastante impactado pelas tensões nessas relações envolve empresas que oferecem garantia locatícia para que inquilinos possam assinar contrato de locação sem fiador, reduzindo a burocracia que lhe é inerente. Na prática acabam assumindo o pagamento de eventuais alugueres pelo locador, sendo reiteradamente demandadas em situações econômicas como a atual, sem expectativas de pronta restituição pelo afiançado.

Inevitavelmente passarão por revisão dos modelos de contrato para que constem previsões de assunção de riscos pelo afiançado, até mesmo visando a facilitação da cobrança do crédito sub-rogado, o que certamente resultará em avanço no próprio modelo de seguro fiança.

Infelizmente, os contratos de locação, diferentemente dos compromissos de compra e venda, dificilmente preveem atribuição de quotas de riscos de cada uma das partes, resultando na judicialização de discussões quando constatado o descumprimento.

As partes devem buscar a previsibilidade das situações que possam resultar em inadimplemento do contrato. Na hipótese de prévia alocação dos riscos no contrato e suas respectivas soluções, não caberia ao Judiciário intervir para preenchimento de eventual lacuna, o que resultaria invariavelmente em desequilíbrio contratual mediante favorecimento de uma das partes em detrimento da outra.

Entendemos que a crise instalada pela pandemia resultará em inevitáveis mudanças no âmbito das relações locatícias, notadamente no que tange às cláusulas contratuais que passarão a alocar riscos e contar com a previsão de formas de resolução dos conflitos extrajudiciais. Enquanto isso, razoável o cumprimento do dever decorrente da boa-fé contratual na busca de solução do entrave extrajudicialmente.

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