Responsabilidade civil das plataformas digitais de mototáxi

Disputa sobre mototáxis revela impasse regulatório e desafia definição da responsabilidade civil das plataformas digitais.

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A oferta de serviços de mototáxi por meio de plataformas digitais tem provocado intensos debates e conflitos regulatórios em diversas esferas do Poder Público. Em especial, destaca-se o embate entre a Prefeitura de São Paulo e as plataformas que intermediam esses serviços, o qual se desenrola tanto no âmbito administrativo quanto no judicial. O cerne da controvérsia gira em torno da legalidade da atividade e das condições para sua operação na cidade.

Em junho de 2025, o Tribunal de Justiça de São Paulo validou o Decreto Municipal que suspendeu temporariamente o serviço. No entanto, a Corte determinou que o Município regulamente a atividade em até 90 dias, revelando que o impasse ainda está longe de uma solução definitiva. De um lado, as plataformas sustentam que a proibição ou restrição desproporcional do serviço afronta os princípios constitucionais da livre iniciativa e da concorrência. De outro, a Prefeitura alega a necessidade de garantir a segurança viária e a ordem pública. Essa tensão evidencia a urgência de um diálogo construtivo para o estabelecimento de uma regulamentação clara, que harmonize os interesses de usuários, condutores, empresas e o poder público.

Dentro desse cenário, a definição da responsabilidade civil das plataformas digitais assume papel central. A pergunta que se impõe é: como se configura a responsabilidade dessas empresas diante de eventuais danos causados durante a prestação do serviço de mototáxi?

As plataformas se apresentam como empresas de tecnologia que promovem a intermediação entre usuários e motoristas parceiros, facilitando o acesso ao serviço de transporte. A questão é objeto de análise pendente pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1291 – a tratar da natureza do vínculo entre o motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital, se trabalhista ou civil. 

Embora possa influenciar a futura decisão a esse respeito, o entendimento do STF não tratará, de forma específica, acerca da responsabilidade civil das plataformas perante usuários e terceiros. O tema, por isso, deve receber especial atenção. 

Nos casos em que se aplica o Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil das plataformas pode ser analisada sob a ótica objetiva, com base na teoria do risco do empreendimento. Todavia, é necessário ponderar o grau de ingerência que essas empresas efetivamente exercem sobre o serviço prestado. Como regra, tais plataformas não contratam diretamente os mototaxistas nem controlam suas rotinas, horários ou condutas no trânsito. Disso decorre a possibilidade de que a responsabilidade objetiva da plataforma seja mitigada quando for demonstrado que o dano decorreu de conduta exclusiva do motorista.

Sob o prisma do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), é possível argumentar que as plataformas atuam como intermediadoras tecnológicas, não sendo responsáveis pelos atos de terceiros, salvo quando, após ordem judicial específica, deixarem de adotar providências para cessar o dano. 

A Lei 12.009/2009, que regulamenta a atividade de mototaxista, estabelece requisitos para o exercício regular da profissão, os quais as plataformas buscam observar ao selecionar motoristas parceiros. Nesse contexto, a discussão sobre a culpa in eligendo (falha na escolha do prestador) deve considerar os mecanismos de verificação implementados pelas plataformas e os limites de seu controle sobre a execução final do serviço. A eventual aplicação da teoria do risco da atividade às plataformas deve levar em conta sua atuação como facilitadoras tecnológicas, cujo papel é essencialmente de mediação, e não de controle operacional sobre os condutores.

Ademais, devem ser consideradas excludentes de responsabilidade, como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro. Situações envolvendo atos dolosos de terceiros, desvinculados dos riscos típicos da atividade de intermediação, por exemplo, podem romper o nexo causal e afastar a responsabilização da plataforma.

O debate sobre a responsabilidade civil das plataformas digitais de mototáxi reflete os desafios jurídicos impostos pela inovação tecnológica. Trata-se de um setor em expansão, que busca espaço no ordenamento jurídico de forma segura e sustentável. As plataformas têm demonstrado disposição para colaborar na construção de uma regulamentação equilibrada, voltada à segurança jurídica, à proteção do consumidor e à continuidade da inovação em mobilidade urbana.

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