Nos últimos anos, é possível observar o crescimento contínuo e consolidado da arbitragem. Apesar disso, ela ainda está longe de receber o reconhecimento que merece, considerando suas principais vantagens. Afinal, trata-se de um mecanismo de resolução de disputas caracterizado pela celeridade e especialidade, fundamentado em um de seus pilares: os efeitos vinculantes e inquestionáveis das sentenças arbitrais proferidas.
Apesar de o Brasil ter se tornado um dos países mais importantes no mercado da arbitragem em apenas duas décadas, ainda há uma sensação de que o mecanismo é elitizado devido aos altos custos envolvidos, sendo aplicável a litígios de alto valor e complexidade, o que já dificulta o aumento de sua utilização. Essa visão (equivocada, infelizmente) afasta possíveis interessados. Soma-se a isso o aumento das ações que visam discutir a regularidade das sentenças arbitrais, impondo uma sensação de completa insegurança. Enfim, por que as empresas escolheriam o procedimento arbitral se correm o risco de terem que discutir novamente a controvérsia no âmbito do Judiciário?
Esse fato é bastante importante para o desenvolvimento da arbitragem, visando conferir, aos seus usuários, a confiança necessária para a adoção desse mecanismo em detrimento da ação judicial. Quanto mais baixo o percentual de admissibilidade das ações anulatórias, maior a segurança jurídica ao usuário que escolhe a arbitragem para resolver sua controvérsia.
Afinal, a sentença arbitral é proferida para ser cumprida, até mesmo porque, segundo o artigo 29 da Lei de Arbitragem, prevê que, ao ser proferida a sentença, encerra-se a arbitragem sem a possibilidade de revisão, excetuadas as hipóteses de eventual modificação da decisão a partir das hipóteses do artigo 30 da Lei (correção de erro material, esclarecimento de obscuridade, dúvida ou contradição, pronúncia sobre ponto omisso), ou em casos que questionem a própria validade da decisão (anulabilidade).
A Lei de Arbitragem, em seu artigo 32, prevê a possibilidade de discussão de sentenças arbitrais a partir de ações anulatórias, em caráter excepcional e baseadas em situações específicas indicadas no referido dispositivo legal.
Apesar de direito das partes, a anulação da sentença arbitral deve ser reservada apenas para as hipóteses previstas na Lei. Caso contrário, a arbitragem, como método alternativo e eficaz de resolução de disputas, ficará marcada como mecanismo inseguro em que o Judiciário servirá como uma segunda instância de revisão, o que certamente desestimulará sua utilização.
Como bem pontuado pelo Ministro Moura Ribeiro do STJ em seu voto lavrado em 2019 (AgInt no AgInt no AREsp 1143608/GO), “o controle judicial sobre a validade das sentenças arbitrais está relacionado a aspectos estritamente formais, não sendo lícito ao magistrado togado examinar o mérito do que foi decidido pelo árbitro”.
A limitação é necessária para evitar a produção de provas e a retomada da discussão do mérito da sentença arbitral pela impossibilidade de revisão do entendimento dos árbitros. Caso contrário, estar-se-ia revisando o mérito da decisão arbitral pelo Poder Judiciário, o que não é admitido em hipótese alguma. Bem verdade é que na hipótese de anulação, a depender do caso, o Tribunal Arbitral é acionado para proferir nova sentença, ou é oportunizado às partes a submissão de um novo procedimento.
Sobre esse tema, recentemente foi publicado estudo de “Ações Anulatórias de Sentença Arbitral em Números”, elaborado pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário – FGV, o qual englobou estudo de ações anulatórias no período entre 2018 e 2023, concluindo que, em grande maioria das vezes, há manutenção da sentença arbitral, mais especificamente em 68,90% dos casos, em um universo de 389 casos analisados.
Outra pesquisa interessante envolvendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi recentemente divulgada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr e Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ, denominada como “Relatório do Observatório de Arbitragem”, baseada em análise estatística e inferencial a partir de vasto número de decisões judiciais envolvendo pretensões de anulação nos anos de 2018 a 2022. Nesta ocasião, identificou-se o irrisório percentual de 17,7% de procedência das ações anulatórias, ou seja, casos em que foi declarada a anulação da sentença arbitral.
A partir disso, constata-se que os recentes estudos estatísticos demonstram elevado número de ações anulatórias propostas, mas baixo número de sentenças arbitrais anuladas, o que confirma o aumento da solidez do mecanismo, reforçando a cooperação, respeito e autonomia que a jurisdição arbitral vem impondo no país. Ponto positivo para a arbitragem, que revela, cada vez mais, ser um mecanismo seguro a partir das corretas decisões do Poder Judiciário, que reafirmam a autonomia das jurisdições.
Afinal, proteger a integridade da sentença arbitral é uma forma de garantir a autonomia das partes, convenções estabelecidas por elas e, sobretudo, preservar a confiança no mecanismo da arbitragem e no julgamento pelo Tribunal Arbitral, assegurando a eficácia da sentença arbitral. No final, é privilegiar os próprios usuários que escolhem um método alternativo de resolução de conflito, o qual oferece previsibilidade na escolha da Câmara Arbitral e dos árbitros, visando decisões especializadas sobre a controvérsia.