STJ decide sobre a cobertura de medicamentos de uso domiciliar pelos planos de saúde

A decisão ressaltou o caráter complementar da atuação das operadoras de saúde e a importância da manutenção do equilíbrio financeiro-atuarial
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Karen Silva Pereira

Advogada da área de healthcare e life sciences

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Síntese

A Quarta Turma do STJ, em recente julgamento, entendeu que cobertura de medicamento domiciliar não está entre as obrigações legais mínimas das operadoras de planos de saúde, salvo exceções legais. Segundo o Relator do caso, Ministro Luis Felipe Salomão, a judicialização da saúde exige cautela no julgamento de casos concretos devendo ser levados em conta diversos aspectos, entre eles, o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos de saúde.

Comentário

O referido julgado se mostra de extrema importância ante a existência de diversas demandas administrativas e judiciais propostas por beneficiários que, muitas vezes, sem qualquer respaldo legal, pretendem impor às operadoras de planos de saúde o dever de cobertura de medicamentos domiciliares que, em verdade, não possuem cobertura legal e sequer contratual.

Atualmente, as operadoras de planos de saúde fornecem, para uso domiciliar, somente aqueles medicamentos orais de combate ao câncer (antineoplásicos), desde que estejam listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

A ANS, autarquia criada para promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, é responsável pela listagem de todos os eventos (consultas, procedimentos, medicamentos) que os planos de saúde devem oferecer aos seus beneficiários e, por meio de Resoluções Normativas periodicamente atualizadas, estabelece o rol de procedimentos e eventos com cobertura obrigatória, tal qual o rol de medicamentos.

Contudo, tem se tornado recorrente o ajuizamento de ações visando a cobertura de medicamentos não contemplados no chamado rol da ANS e sem cobertura contratual, sendo igualmente crescente o número de decisões judiciais determinando a cobertura indevida.

A atuação em massa de beneficiários nesse sentido acaba por onerar as atividades das operadoras de saúde, dificultando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e afastando o caráter suplementar que permeia a atuação dos planos de saúde privados.

A saúde complementar não é irrestrita, possui caráter suplementar previsto na própria Constituição Federal. Se irrestrita fosse, seria inviável sua manutenção e certamente mínima a iniciativa de empresas privadas interessadas em atuar no ramo.

Além do volume cada vez mais expressivo de ações e decisões judiciais envolvendo pedidos de cobertura de medicamentos de uso domiciliar, preocupa a interpretação que o Judiciário vem aplicando aos casos concretos e a falta de observância à Lei que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde __ Lei n.º 9.656/98, a qual prevê em seu artigo 10, VI, a exclusão de cobertura de medicamentos para tratamento domiciliar. Além da previsão legal, não raras vezes as operadoras de planos de saúde também têm violadas as suas disposições contratuais.

Tal fato denota que, cada vez mais, vem sendo indevidamente transferida uma responsabilidade estatal ao ente privado. Embora tenha sido instituído o Sistema Único de Saúde – SUS, sendo dever constitucional do Estado promover especial atenção à saúde, dando fiel cumprimento à legislação, na prática a realidade se mostra bem distante da ideologia anunciada.

A decadência estatal na promoção e proteção da saúde, sobretudo desigual em todas as regiões do País, vem acarretando o aumento no número de beneficiários que buscam nos planos de saúde privado suprir a carência sofrida pela deficitária assistência prestada pelo ente público.

Com efeito cascata, o aumento do número de beneficiários de planos particulares resulta no aumento de demandas administrativas e judiciais, as quais merecem a devida atenção do Judiciário sob pena de inviabilizar a manutenção da atividade das operadoras.

Ao julgar o Recurso Especial n.º 1883654, em seu voto, o Ministro Relator, Luis Felipe Salomão, destacou que “a saúde suplementar cumpre propósitos traçados em regras legais e infralegais. Assim sendo, não se limita ao tratamento de enfermidades, mas também atua na relevante prevenção – lamentavelmente, insuficiente no âmbito do SUS, sendo notória a baixa disponibilização de exames básicos, inclusive para prevenção de doenças de alta incidência -, não estando o Judiciário legitimado e aparelhado para interferir, em violação da tripartição de Poderes, nas políticas públicas”.

Dessa forma,  o referido julgado revela-se de suma importância na construção de precedentes favoráveis às operadoras de saúde, ressaltando a importância da correta avaliação do caso concreto à luz da legislação e das disposições contratuais aplicáveis, evitando, assim, a liberação indistinta de coberturas pleiteadas por consumidores, permitindo, então, a manutenção da saúde complementar e a preservação do seu caráter suplementar.  

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