TCU afasta extensão de inidoneidade a consorciada

Consorciada que não participou de atos de fraude em licitação não pode ser declarada inidônea pelo TCU.

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Síntese

No Acórdão 1.083/2019, o Plenário do TCU decidiu que a inidoneidade de empresa consorciada não necessariamente se estende às demais empresas do consórcio.

Comentário

Em fiscalização, o Tribunal de Contas da União – TCU identificou a ocorrência de irregularidades na implantação da Refinaria Abreu e Lima, como conluio, fraude em licitação e superfaturamento. O Acórdão nº 1.803/2019 se originou de representação atuada por determinação no Acórdão nº 1.583/2016, especificamente com o objetivo de aferir a responsabilidade individual de uma das empresas consorciadas em um dos contratos.

Na decisão em comento, consta que a Refinaria Abreu e Lima detinha 25% de participação no Consórcio que venceu a licitação fraudada, mas inexistiriam provas concretas de que a empresa em questão tenha praticado qualquer dos atos fraudulentos.

A inidoneidade – que nada mais é que a proibição para licitar ou contratar com a Administração Pública – é penalidade prevista na Lei de Licitações (art. 87, IV), passível, portanto de ser aplicada pela própria Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação, a ser concedida sempre que houver o ressarcimento dos prejuízos e após o prazo de dois anos. Mas também é uma sanção que pode ser aplicada pelo Plenário do TCU por previsão nos artigos 15, I, ‘i’ e 271 do Regimento Interno da Corte de Contas. De acordo com o art. 271, a inidoneidade do licitante para participar de licitação na Administração Pública Federal por até cinco anos pode ser declarada pelo TCU quando verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação. Assim, embora recebam a mesma denominação, tratam-se de penas distintas.

Disto deriva o questionamento: em se constatando fraude em licitação da qual participou Consórcio, há inidoneidade de todas as consorciadas independentemente de aferição individual de conduta? Em bom momento e bom tom, o TCU entendeu que não.

No Acórdão nº 1.083/2019, pela ausência de provas suficientes de participação e até mesmo de ciência da empresa consorciada nos atos fraudulentos, o TCU afastou em relação a ela a inidoneidade (embora declarada em relação a outras empresas do Consórcio), porque “a condição de consorciada por si só não é apta a subsidiar a aplicação de sanção por fraude à licitação, caso os ilícitos tenham sido cometidos por outra empresa integrante do consórcio”. O entendimento se fundamenta no caráter personalíssimo da pena previsto no art. 5º, XLV da Constituição (nenhuma pena passará da pessoa do condenado).

A decisão menciona a existência de indícios de que a empresa consorciada em questão posteriormente aderiu ao esquema fraudulento, já durante a execução do contrato mediante oferta de proposta de cobertura em outros certames. Mesmo assim, afastou-se a inidoneidade, porque ainda que tal ato pudesse surtir efeitos em licitações e contratos futuros (a ser apurado em processos próprios), não tinham o condão de afetar o contrato já assinado que era objeto da análise. Ou seja, a adesão posterior da empresa consorciada ao ato fraudulento não permitiria sua inidoneidade porque irrelevante para a fraude já praticada (contrato já assinado).

Destaque-se que ainda que a decisão mencione indícios de pagamento de propina, também se afastou a inidoneidade pela ausência de indícios suficientes de que tal pagamento se deu de forma associada à fraude à licitação. Ponderou-se que o pagamento de propina configuraria ilícito tipificado na Lei Anticorrupção, cuja competência sancionatória é da Controladoria-Geral da União – CGU e, acrescente-se, do Judiciário.

Estes dois pontos indicam que, para o TCU, a inidoneidade também depende do nexo causal entre a conduta da empresa consorciada (individualizada) e o ato ilícito.

Por fim, convém mencionar que o afastamento da inidoneidade se deu com base na existência de dúvida razoável quanto à participação da empresa consorciada nos atos fraudulentos. Neste ponto, o TCU aplicou o princípio da dúvida razoável inerente aos processos criminais – consagrado pelo art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional –, em que a responsabilização há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável.

O combate a condutas inidôneas, corruptas e ímprobas é essencial. Leis como a de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013) são de extrema importância para a proteção do patrimônio público. Mas tal proteção não pode se dar à revelia dos direitos fundamentais de defesa e de princípios como a tripartição dos Poderes, a individualização da pena e razoabilidade e proporcionalidade. O uso descuidado de leis punitivas pode ter um efeito nefasto na economia e contrário àquilo que se busca proteger. A interpretação de normas punitivas deve ser sempre restritiva.

Assim, a decisão do TCU merece bom destaque. Não há previsão legal que autorize a extensão de responsabilidade por atos inidôneos a empresas consorciadas de forma objetiva. A participação nos atos fraudulentos não pode ser presumida, devendo ser comprovada acima de qualquer dúvida razoável. E, diferentemente de sanções pecuniárias, em especial a de ressarcimento – para as quais se admite excepcionalmente a solidariedade quando prevista em Lei (a exemplo do art. 4º, §2º, da Lei Anticorrupção) –, a inidoneidade é sanção de caráter personalíssimo: deve ser aplicada somente a quem efetivamente praticou ou participou do ato.

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