Tecnologia amplia meios de notificação extrajudicial em ação de busca e apreensão de bem financiado

STJ abre caminho para uso de tecnologias e facilita notificação do devedor na ação de busca e apreensão de bem com alienação fiduciária.
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Maria Luíza Calixto dos Prazeres

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

Diante de inadimplemento num contrato de alienação fiduciária, deve o credor, antes de prosseguir com a ação de busca e apreensão do bem financiado, dar ciência ao devedor de sua mora, oportunizando o pagamento da dívida. Para tanto, o STJ entendeu ser idônea a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por e-mail, uma vez que desnecessária a regulamentação legal de cada meio tecnológico capaz de facilitar a comunicação e as notificações para fins empresariais.

Comentário

A alienação fiduciária é garantia real que dá ao credor o direito de ter de volta o bem financiado em caso de inadimplência; o credor, daí, poderá promover ação de busca e apreensão do bem desde que notifique extrajudicialmente o devedor, dando-lhe a oportunidade de regularizar sua situação. A inércia do devedor, mesmo depois de notificado, reforça e comprova a mora, ensejando a busca e apreensão do bem financiado.

A forma do envio da notificação extrajudicial passou por três modificações no STJ: no REsp 2.022.423, se daria somente por carta registrada com aviso de recebimento, independentemente de quem a recebesse; no REsp 1.951.662/RS, encaminhada ao endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento; e agora, no REsp 2.087.485-RS, a notificação extrajudicial pode ocorrer por e-mail, se encaminhada ao endereço eletrônico descrito no contrato e comprovada a sua entrega.

Neste último, um banco ajuizou ação de busca e apreensão de automóvel por falta de pagamento das parcelas do financiamento, configurando o vencimento antecipado das obrigações. Para informar o devedor sobre a situação, o banco notificou-o por e-mail; inerte quanto à obrigação de pagar, foi ajuizada a ação que acabou sendo extinta sem resolução do mérito.

O banco apelou, e o TJRS negou provimento ao fundamento de que a notificação por e-mail não cumpre o disposto no §2º do art. 2º do Decreto-lei 911/69, sendo inválida para provar a mora e insuficiente para garantir a certeza do recebimento da mensagem.

Tal entendimento, inclusive, estava de acordo com o que havia consignado a Terceira Turma do STJ, no REsp 2.022.423: em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei 911/1969, é inadmissível a comprovação da mora mediante notificação extrajudicial por e-mail. 

Naquela oportunidade, a Relatora do caso — Ministra Nancy Andrighi — afirmou que apesar do uso crescente das ferramentas digitais nos atos de comunicação, esse mesmo uso, quando aplicado no Direito, deve “vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde àquilo que se afirma estar contido na mensagem e que houve o efetivo recebimento da comunicação”.

Mas o entendimento que reformou o acórdão do TJRS é exatamente o contrário: com a Lei n.º 13.043/2014, foram ampliadas as formas de notificação do devedor fiduciante, permitindo-se o uso da tecnologia na comunicação.

A decisão proferida pela Quarta Turma, sob relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, facilitou aos credores — em sua maioria instituições financeiras —, a partir das ferramentas tecnológicas, a retomada do bem. O principal fundamento é que o legislador, sabendo ser impossível prever todas as eventuais situações na prática empresarial de notificação extrajudicial, ainda mais frente à rápida evolução tecnológica, conformou formas distintas da carta registrada com aviso de recebimento no §2º do art. 2º do Decreto-lei 911/69.

Assim, para que a mora seja comprovada em busca e apreensão decorrente do inadimplemento do contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, basta que o credor encaminhe notificação extrajudicial para o e-mail registrado no contrato e demonstre o recebimento pelo devedor.

Há, aqui, um porém: que a decisão do STJ abre portas para o uso de tecnologias no Direito, sobretudo para benefício do credor, não há dúvidas; mas até que ponto este benefício onera o devedor?

O entendimento da Quarta Turma parece, há quem diga, não ter regulamentado suficientemente como se dará a comprovação de entrega do e-mail, o que pode obstar o intuito da notificação — tendo em vista que é justamente cientificar o devedor do atraso e suas consequências, com a quitação da dívida antes de apreendido o bem. A notificação por e-mail sem padrões claros à comprovação do recebimento pelo devedor revela zona de incerteza, afetando diretamente a segurança jurídica.

Independentemente, fato é que os meios tecnológicos estão para as relações pessoais tal como estão para as jurídicas; daí que, como bem entendeu o Relator do julgamento, “Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida”.

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