TJSP entende que lei de usura não deve ser aplicada aos fundos de investimento

Decisão proferida pelo TJSP equipara os fundos de investimento às instituições financeiras, promovendo maior segurança jurídica às operações de mercado.
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Leonardo Fiordomo

Advogado da área de mercado de capitais

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Os fundos de investimento de crédito podem ter em carteira títulos de crédito e títulos de emissão de dívidas. Dentre as emissões mais conhecidas estão as debêntures, que nada mais são que uma negociação do investimento de uma quantia monetária mediante um pagamento futuro, o qual será fixado, principalmente, por juros remuneratórios. O objetivo deste artigo é analisar os principais pontos debatidos no ordenamento jurídico quanto a tais operações realizadas por fundos de investimento, no que tange à sua natureza jurídica e à fixação de juros remuneratórios.

Os juros remuneratórios possuem uma limitação legal quanto à aplicação do seu percentual em contrato. Essa limitação decorre da interpretação do artigo 591 em conjunto com o artigo 406 do Código Civil (CC), a qual determina sua incidência com base na taxa SELIC. Ocorre que esse limite não se aplica às instituições financeiras, que podem negociar a taxa de juros acima do percentual previsto em lei.

A problemática jurídica surge quando se discute se os fundos de investimento são ou não considerados instituições financeiras. Ou seja, se podem ou não negociar os juros remuneratórios acima do percentual previsto em lei. É exatamente esse tema que foi analisado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP no final de 2020 (Proc. 2117643-47.2020.8.26.0000 – 1º Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP).

O conceito de instituição financeira é definido no artigo 17 da Lei 4.595/64. Nele se entende como instituição financeira “as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”. Além disso, o artigo 18, § 1º da referida lei impõe a aplicação deste diploma legal (Lei. 4.595/64) quando houver: “pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras”. Assim, em análise conjunta de ambos os dispositivos, é possível constatar a aplicação destes conceitos sobre os fundos de investimento, uma vez que estes realizam operações exclusivas de mercado de capitais por meio da custódia de ativos.

E foi nesta linha de raciocínio que a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial considerou pela equiparação dos fundos de investimento às instituições financeiras. O relator do caso considerou que os fundos de investimento fazem “a captação e custódia de poupança popular, com subscrição de valores mobiliários” atuando no âmbito do mercado de capitais, fato que se amolda à definição legal de instituição financeira. Com essa equiparação, promoveu-se maior segurança jurídica no tocante à estruturação de títulos como as debêntures.

Nesse sentido, verifica-se outras decisões seguindo o mesmo entendimento, sendo de suma importância a intervenção e consolidação do tema pelo Poder Judiciário. Isso porque o tema quanto à fixação dos juros legais ainda é passível de discussão. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, há uma derrogação dos artigos 1º e 4º do decreto 22.626/33 (Lei de Usura), em razão da vigência do Código Civil de 2002. Nesse sentido, sob esta perspectiva jurisprudencial, o limite previsto pelo artigo 591 do CC estaria orientado pela taxa SELIC e não pelo percentual que determina a Lei de Usura.

Ocorre que a taxa SELIC atual está fixada em 2% ao ano, ou seja, muito abaixo do percentual negociado nos títulos representativos de dívida. Assim, a decisão de equiparação dos fundos de investimento às instituições financeiras se mostra pontual e acertada. Isso porque a limitação dos juros remuneratórios inviabilizaria todo e qualquer investimento nestes fundos, visto que o rendimento de suas operações estaria próximo ao patamar fixado em caderneta de poupança.

Assim, ante o exposto, verifica-se um movimento acertado do Judiciário quanto à equiparação dos fundos de investimento às instituições financeiras, de modo a garantir os rendimentos decorrentes das operações de mercado de capitais em conformidade aos riscos tomados nas negociações de alto valor, como ocorre nas operações estruturadas de crédito.

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