Poder concedente e concessionária devem suportar de forma conjunta os prejuízos decorrentes da pandemia

TRF-4 entendeu que o reequilíbrio econômico-financeiro em contrato de concessão de uso de área deve conter divisão consensual dos prejuízos entre concedente e concessionária.
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Lucas Domakoski Cordeiro

Advogado da área de contratos empresariais

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Síntese

Decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região afasta tutela de urgência deferida à concessionária de uso de área para que suspendesse os pagamentos à INFRAERO. Para os julgadores, a situação de calamidade não afeta apenas o contratado, mas também o ente contratante, de forma que o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser obtido consensualmente entre as partes, observando-se e sopesando os prejuízos sofridos por ambas.

Comentário

Em acórdão publicado em fins de 2020 (autos nº 5044279-36.2020.4.04.0000/PR, Relator Juiz Federal Giovani Bigolin), a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região fixou o entendimento de que, exceto em casos de estrita previsão contratual, os prejuízos oriundos da pandemia da Covid-19 não dão ensejo à suspensão de pagamentos por parte da concessionária, e que a hipótese de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato não serve como garantia apenas ao contratado, mas também ao ente contratante, devendo ser promovido por “acordo das partes”.

O Agravo de Instrumento foi interposto pela INFRAERO contra decisão da Justiça Federal do Paraná, que deferiu o pedido de urgência da concessionária para suspender o pagamento de valores devidos à empresa pública a título de preço fixo mensal estabelecido no contrato de concessão, com vencimento previsto para o ano de 2020. A empresa atua no Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais (região metropolitana de Curitiba), como concessionária de uso de área (estacionamento).

A decisão colegiada foi alcançada com unanimidade de votos, dando provimento ao agravo da empresa pública e revertendo a decisão liminar de primeiro grau, que se fundamentou na necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e em interpretação de cláusula contratual específica do negócio jurídico. O contrato continha previsão de situações ensejadoras de rescisão, compreendidas pelo juízo de primeiro grau como cenários autorizadores de suspensão dos pagamentos devidos.

A agravante INFRAERO defendia que a concessionária já havia anuído previamente com proposta mitigadora de danos, ofertada de forma isonômica a todos os concessionários atuantes em aeroportos por si administrados, e que o cumprimento das obrigações pactuadas entre as partes não poderia ser afastado, sob pena de causar o colapso do serviço de administração aeroportuária. Alegava, também, ser desarrazoada a alocação da totalidade dos prejuízos a apenas um dos polos da relação, o que resultaria em inevitável desequilíbrio do contrato.

Segundo a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a interpretação dos dispositivos contratuais de rescisão pelo juízo de primeiro grau havia sido equivocada, visto que a cláusula estabelecia, em realidade, uma proteção a ambos os contratantes, não sendo possível extrair do contrato a autorização para a suspensão do cumprimento das obrigações da concessionária em casos de calamidade pública. A adequada análise das cláusulas contratuais defendida pelos julgadores observa o disposto no Parecer nº 261/2020, de 09.04.2020, do Ministério da Infraestrutura, que afirma a necessidade de exame acurado da alocação de riscos presentes em cada contrato de concessão antes da execução de qualquer medida de reequilíbrio econômico-financeiro.

A decisão estabeleceu que o reequilíbrio econômico-financeiro constitui garantia do contratado mas também da administração. Para os julgadores, inexiste direito absoluto e subjetivo do contratado ao reequilíbrio – principalmente quando se constata que a pandemia da Covid-19 impactou profundamente não apenas as concessionárias, como também as concedentes. Assim sendo, não seria adequada a mera cessação ou suspensão dos pagamentos por parte das concessionárias de uso de áreas, pois a manutenção da infraestrutura e o funcionamento de um serviço essencial – o aeroportuário – poderiam ser postos em risco.

A solução defendida pelos magistrados passa pelo caminho da negociação. Como ressaltado na decisão, a própria INFRAERO já havia encaminhado proposta à concessionária para a prorrogação do pagamento de seus haveres, reduzindo, ainda, o valor da garantia mínima dos boletos e prorrogando seu vencimento. Para os julgadores, o ônus da pandemia deve ser suportado por ambas as partes, por meio da busca por uma solução intermediária. Dessa forma, cabe às partes negociar, ceder e alocar de forma equilibrada as perdas, evitando onerar somente um dos contratantes com os prejuízos derivados de uma situação que, em realidade, nenhum dos envolvidos poderia prever. Tal compreensão, porém, é objeto de debates doutrinários: em oposição ao entendimento do TRF-4, há posicionamentos no sentido de que aplicar-se-ia ao caso a teoria da imprevisão em sua plenitude, nos termos do disposto no art. 65, II, d da Lei federal nº 8.666/93.   

Pode-se depreender, do julgado do TRF-4, uma adequação do conceito de reequilíbrio econômico-financeiro à conturbada realidade pandêmica, que demanda uma busca conjunta por soluções ágeis e eficazes que sejam capazes de contribuir para a manutenção do funcionamento da infraestrutura essencial à população. Trata-se, afinal, de situação em que ambas as partes – concedentes e concessionárias – verificam pesadas perdas, que devem ser mitigadas através de uma atuação consensual e dotada de razoabilidade. Nestes termos, observa-se nítida expressão de consensualidade quando a Administração Pública busca soluções concertadas junto aos particulares para a solução de conflitos, em homenagem ao princípio da eficiência e à melhor realização do interesse público.

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