TRT/PR nega vínculo de emprego a trabalhador pessoa jurídica

Não há fraude no contrato de trabalhador pessoa jurídica quando não se mostram presentes os requisitos para caracterização do vínculo de emprego.
Maria Fernanda

Maria Fernanda Sbrissia

Advogada egressa

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Síntese

Tribunal Regional do Trabalho do Paraná entendeu que o vínculo de emprego exige que o trabalho seja prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. A esses elementos expressamente previstos em lei se acresce a alteridade. Na ausência de qualquer um deles, resta descaracterizada a relação empregatícia vindicada, não havendo que se falar em fraude trabalhista decorrente da contratação de trabalhador através de pessoa jurídica.

Comentário

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT PR), nos autos 18209-2015-011-09-00-9-ACO-02270-2019 da 3.ª TURMA, Relatora: THEREZA CRISTINA GOSDAL, Publicado no DEJT em 26-03-2019, entendeu que não se mostraram presentes os requisitos para caracterização do vínculo de emprego do trabalhador contratado através de pessoa jurídica, uma vez que restou demonstrado “que o autor definia valores, assumia o custo da garantia do serviço prestado aos clientes da ré, podia recusar serviços, ou transferir sua execução para outrem e não trabalhava com habitualidade para a ré”.

O Tribunal esclareceu que relação empregatícia está definida nos artigos 2º e 3º da CLT.

No caput do artigo 3º: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”.

O artigo 2º completa este conceito, dispondo: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.

Portanto, a relação de emprego deriva da conjugação de cinco elementos: 1) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador; 2) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; 3) também efetuada com não eventualidade; 4) efetuada ainda sob subordinação ao tomador de serviços; 5) prestação de trabalho efetuada com onerosidade.

Por construção doutrinária, tem-se ainda o requisito da 6) alteridade, consubstanciado na prestação de serviços por conta alheia.

Na ausência de qualquer uma dessas condições de trabalho, resta descaracterizada a relação empregatícia.

Para diminuição dos encargos trabalhistas, muitos empregadores contratam pessoas jurídicas para a prestação de serviços autônomos, através de um contrato de natureza cível, pois pessoas jurídicas não têm capacidade jurídica para ser empregado.

Esse tipo de contratação, através de uma pessoa jurídica, é bastante comum na maioria das startups, que geralmente trabalham com um orçamento pequeno, principalmente no início, sobretudo na contratação de desenvolvedores, programadores e demais funções que pressupõem um conhecimento técnico.

Essa modalidade de contratação pode trazer benefícios a curto prazo, mas riscos trabalhistas a médio e longo prazos, se forem observados todos os requisitos do vínculo de emprego durante a prestação dos serviços autônomos.

Se o trabalhador da startup contratado através de pessoa jurídica trabalhar 1) com pessoalidade, isto é, não puder ser substituído por outro, 2) de forma não eventual, exercendo sua atividade na startup de modo não ocasional, 3) com subordinação, ou seja, com sujeição ao empregador, 4) com onerosidade, isto é, recebendo salários, ainda que o serviço esteja sendo remunerado mediante emissão de nota fiscal ou que o trabalhador tenha celebrado contrato de vesting e 5) sem alteridade, isto é, não assumindo os riscos do negócio, há um risco relevante de passivo trabalhista.

O artigo 9° da CLT diz que “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Nesse sentido, diante do princípio da primazia da realidade, ou seja, quando os fatos se sobrepõem às formas, a descaracterização da contratação através de pessoa jurídica pode ocorrer 1) administrativamente pelos órgãos de fiscalização do trabalho com a aplicação de multas e 2) judicialmente através de ação trabalhista com reconhecimento de vínculo de emprego e consequente pagamento de salário, férias (em dobro) com adicional de 1/3, 13º salário, FGTS, aviso prévio, horas extras, RSR, INSS, dentre outros.

Frise-se que o contrato de vesting, que permite a concessão de participação futura a um trabalhador, muito comum nas empresas de startups, principalmente no início, em que elas têm dificuldade de atração e de retenção de talentos devido ao limite orçamentário, não substitui os direitos básicos do trabalhador. A startup precisa pagar salário a todos os seus empregados, independentemente do percentual de participação que foi ajustado no contrato de vesting.

Portanto, em um primeiro momento a contratação de pessoa jurídica para exercer determinada atividade pode parecer ter vantagens financeiras, tanto para a startup quanto para o trabalhador contratado. Todavia, durante esse contrato não devem ser observados os requisitos do vínculo de emprego para que não ocorra um passivo financeiro que prejudique a liquidez da empresa e do próprio trabalhador.

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