A (falta de) regulamentação dos cyber-games e a sua equiparação a esportes tradicionais

Projeto de lei que prevê o reconhecimento dos esportes eletrônicos como prática esportiva evidencia necessidade de regulamentação da matéria.
Paulo-Henrique-Golambiuk

Paulo Henrique Golambiuk

Head da área de direito eleitoral e político

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É inegável a disseminação dos chamados e-sports e a dimensão que o seu mercado adquiriu nos últimos anos. Apenas para exemplificar, em 2016, o torneio de Dota 2 (competição do game The International) distribuiu a premiação de cerca de 62 milhões de reais – quase quatro vezes mais que o prêmio de 18 milhões de reais recebido pelo campeão da Copa Libertadores (maior torneio sul-americano de futebol).

Da mesma forma que ocorreu com as relações de trabalho ao longo dos séculos, certo é que a sociedade buscaria adaptar o conceito de esporte, agora se utilizando de plataformas virtuais para praticá-los. Os esportes eletrônicos, portanto, se diferenciam dos tradicionais apenas pelo fato de serem exercidos pelo meio virtual, aproximando-se principalmente das práticas esportivas de intelecto, como o xadrez.

A aplicação dos conceitos competitivos e esportivos dentro de uma prática lúdica como os jogos eletrônicos foi que propiciou o surgimento dos e-sports, na condição de prática esportiva realizada por meios virtuais.

Apesar de o esporte eletrônico apresentar características de esporte de rendimento e contar com organizações estruturadas competitivamente, em muitos casos os cyber-atletas são tratados de forma amadora.

Em busca do reconhecimento efetivo do e-sport na legislação brasileira, o Deputado Federal João Henrique Holanda Caldas (PSB/AL) propôs o projeto de lei nº 3450/1525, que visa acrescer o inciso V ao artigo 3º da lei 9615/98 (Lei Pelé), com uma redação específica para desporto virtual.

Embora o relator da proposta, Deputado Federal Roberto Alves (PRB/SP), da Comissão do Esporte, tenha dado parecer negativo ao mencionado projeto, o teor de seu relatório demonstra um indicativo positivo para a análise da relação jurídica existente, considerando que vislumbra sua crescente relevância e afirma que a prática esportiva por meio de jogos eletrônicos já está incluída nos incisos existentes do artigo 3º em razão do caráter dinâmico da evolução das práticas desportivas.

Apesar de o instrumento utilizado ser distinto, a rotina de um atleta de esporte eletrônico se assemelha com os de esportes tradicionais, porquanto ambos contem com treinos diários, concentrações para campeonatos e até mesmos cuidados psicológicos e nutricionais. A exclusividade na prestação do serviço e a cessão dos direitos de imagem são outros elementos que evidenciam essa aproximação.

Neste sentido foi que se firmou, no ano passado, por intermédio da Associação Brasileira de Clubes de eSports (ABCDE), um acordo estabelecendo que atletas e treinadores das equipes participantes do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) teriam registro na carteira profissional de trabalho, consoante os dispositivos entabulados pela Lei Pelé. Assim, atletas e treinadores de e-sports passaram a ser regidos pelo mesmo tipo de contrato a que, por exemplo, atletas de futebol estão submetidos.

De fato, havendo pessoalidade, controle de horários, subordinação, entre outros fatores, pode se estar mesmo diante de uma relação de trabalho. Ademais, a equiparação dos e-sports como esporte atrai para si a aplicação das regras da Lei nº 9.615/98, a qual determina expressamente que a atividade do atleta profissional é caracterizada pelo contrato especial de trabalho desportivo.

Ainda que a mesma lei desportiva preveja outras categorias de contratação sem vínculo empregatício (atleta autônomo; bolsa aprendizagem etc.), tais devem ser devidamente analisados em seu contexto para que não sejam considerados fraudulentos pela Justiça do Trabalho, considerando o princípio da primazia da realidade, presente em diversos precedentes neste sentido em se tratando de esportes tradicionais.

Os contratos entre cyber-atletas e organizações, em suma, se revelam fundamentais, justamente porque referidos vínculos se amoldam aos conceitos determinados pela Lei Pelé. Não se pode mais ignorar a crescente evolução e difusão dessa prática. Sendo o esporte eletrônico um esporte efetivamente, a ele se aplica a legislação desportiva. E sendo os seus praticantes atletas profissionais, com eles se deve celebrar contratos de trabalho especiais.

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