A produção antecipada de provas enquanto instrumento de solução de conflitos

Inovações do CPC/2015 consagram a produção antecipada de provas como caminho para solução de conflitos num sistema de justiça multiportas.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

Beatriz-Mello

Beatriz de Mello

Advogada egressa

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Dentre as valiosas inovações do novo Código de Processo Civil – CPC, em matéria de produção de provas, está a ampliação das hipóteses do cabimento de uma produção antecipada. Com as mudanças implantadas, a produção antecipada de provas, agora, passa ser uma grande aliada na busca por soluções alternativas de conflitos.

No Código antigo, reconhecia-se a produção antecipada de provas como uma medida cautelar, que se justificava unicamente pela necessidade de obtenção de dados probatórios de modo antecipado. Caso fosse deixada para o momento processualmente indicado (etapa instrutória do processo), a produção da prova seria difícil ou impossível. Daí a necessidade de sua antecipação. Não demonstrado esse risco, analisava-se cabimento e extensão das provas que as partes processuais pretendiam produzir no momento instrutório do processo.

Inovando em relação ao diploma legal anterior, o Código atual situa a produção antecipada de provas como uma medida autônoma, por meio da qual se postula a produção de uma determinada prova em um procedimento de jurisdição voluntária. E, para além das hipóteses nas quais há riscos de perecimento do material probatório, a legislação prevê a possibilidade de utilização do instrumento quando “a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito” (art. 381, inc. II) e nas situações em que “o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação” (art. 381, inc. III).

Em relação à hipótese do inciso III, trata-se de modalidade que privilegia a economia processual. Isso porque é possível que a parte autora, diante dos resultados obtidos com o ajuizamento da ação de produção antecipada de prova, chegue à conclusão de que inexistem elementos suficientes para lastrearem sua pretensão, e, por consequência, não ajuize a demanda principal. Evita-se, desse modo, o ajuizamento de ações temerárias e uma litigiosidade desnecessária.

Mas o contrário também pode ocorrer. Aquele que seria réu no processo (e que participa ativamente da produção antecipada de provas), uma vez construída a prova, pode antever o resultado de uma futura ação judicial. À previsão dos prejuízos de uma derrota no processo são somados os demais custos acessórios (custas processuais e honorários advocatícios, ambos tradicionalmente com valores atrelados ao valor da causa). Em vista disso, surge a grande utilidade do inciso II do artigo 381 do Código. Em consonância com a sistemática estabelecida no CPC, a norma nele contida privilegia a solução consensual de litígios, que é precisamente o novo espírito do atual diploma processual.

Conforme se extrai pela leitura de seu art. 3º do CPC, o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (art. 3º, § 2º). Além disso, reforça o Código que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º, § 3º). Esses dispositivos conformam a compreensão de que não há um único caminho para o acesso à Justiça, consagrando um modelo multiportas que possibilita às partes que litiguem junto ao Judiciário, optem pela autocomposição ou se valham de instrumento alternativo (mediação ou arbitragem).

A ampliação das hipóteses da produção antecipada de provas configura uma quebra de paradigmas em relação ao diploma legal anterior, pois se vale da tutela jurisdicional como meio para que haja, a partir do material coletado, novas reflexões sobre a necessidade de um processo litigioso. O juiz, na produção antecipada de provas, portanto, atua mais como gestor do procedimento, a bem de que ele cumpra a finalidade de produzir uma boa prova, do que propriamente como julgador.

Alguns exemplos da atual utilidade social da produção antecipada de provas:

em ações de responsabilidade civil por atuação médico-hospitalar, a produção antecipada de provas permite antecipar o olhar técnico sobre a ocorrência do erro, a dimensão dos danos e eventual nexo de causalidade entre as ações comissivas e omissivas (do hospital e dos profissionais de saúde) e os danos causados;

em ações envolvendo planos de saúde, a produção antecipada de provas permite a conclusão acerca da utilidade do procedimento almejado pelo beneficiário, bem como das demais alternativas de tratamento disponíveis;

em ações contra a Administração Pública, especialmente as de responsabilidade contratual, a produção antecipada de provas permite aferir a ocorrência das hipóteses de rescisão ou revisão do contrato, bem como permite constatar a ocorrência ou não de violações contratuais das quais se originaram sanções.

Ressalte-se que há uma série de benefícios aos que optam pela medida antecipada como passo prévio e essencial para a decisão acerca do ajuizamento ou não de uma ação judicial, quais sejam:

sendo um procedimento de jurisdição voluntária, a produção de provas não tem conteúdo econômico, o que torna as custas judiciais mais módicas;

não há vencedores e vencidos na ação e, em razão disso, inexiste condenação do derrotado em honorários sucumbenciais;

a produção antecipada amplia as chances da efetiva possibilidade da produção de prova na medida em que, na constância do processo judicial, muitos juízes entendem a prova como desnecessária ao deslinde da causa, vedando a instrução processual;

em inúmeros casos, a produção da prova (em especial a pericial) é o elemento decisivo para a (im)procedência da ação. Ter previamente em mãos essa informação é contar com o elemento mais decisivo para que as partes envolvidas cheguem a consenso, evitando o ajuizamento de uma nova ação.

Não há dúvidas de que a nova estrutura do procedimento de produção antecipada de provas é uma das principais contribuições do novo CPC para a sociedade. É, inegavelmente, um expediente efetivo para evitar que certos conflitos cheguem ao Judiciário, permitindo que a atuação judicante ocorra nas hipóteses em que é estritamente necessária. Cabe frisar que tal expediente dá ao Judiciário algo muito precioso: tempo. Para além disso, uma vez frustrada a tentativa de solução consensualmente o conflito, permite aos julgadores decidirem a partir de elementos técnicos mais seguros e confiáveis. A decisão chega mais próxima do ideal de Justiça.

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