Quase junto com os fogos de Reveillón de 2017, para ser exato, no dia 30 de dezembro de 2016, o governo federal, atendendo demanda de diversos municípios, promulgou a Lei Complementar 157/2016, com uma série de modificações na Lei Complementar 116/2003, promovendo modificações no tributo que representa a maior fonte de arrecadação das grandes cidades brasileiras, o Imposto sobre Serviços – ISS (no ano de 2015, 55% da arrecadação tributária da cidade de São Paulo veio do ISS, no Rio de Janeiro 59% e em Curitiba 48%).
Uma das principais modificações foi a inserção de um tipo específico de “serviço” na lista taxativa de serviços que podem ser tributados – trata-se do item 1.09, que tem a seguinte redação:
“disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos”
Nitidamente o legislador mirou nas novas formas de distribuição de conteúdo, especificamente as exitosas plataformas de streaming, como o Netflix, Spotify, HBO Go, Amazon Prime, Deezer, etc. Ao incluir este item na lista de serviços passíveis de tributação, o governo federal autoriza que municípios atualizem a sua legislação para estender a tributação do ISS para este tipo de “serviço”, cobrando uma alíquota mínima de 2% sobre o valor das assinaturas.
No entanto, a inclusão deste item na lista e as consequências disto ainda estão longe de estarem consolidadas, entre os temas mais controversos sobre essa possibilidade de cobrança, destacam-se os seguintes:
– streaming não seria considerado prestação de serviço, dado que trata-se da cessão de um direito autoral por curto período, limitado ao uso e vedada a reprodução, seria assemelhado à uma locação, ressaltando que o STF já afastou tentativas anteriores de cobrança do ISS sobre locações de bens móveis.
– pela regra geral, a cobrança do ISS deveria incidir no local da sede do prestador deste serviço e como não há previsão em sentido diferente, o ISS sobre o serviço de streaming seria devido para o município onde estiver instalada a sede que conste no contrato com o consumidor, contudo, em casos em que a sede esteja localizada no exterior, muito comum nestas plataformas, dificilmente haverá incidência do imposto, pois o ISS sobre serviços prestados no exterior é tema ainda bastante controverso.
Como era esperado, os serviços de streaming, viabilizados com o acesso de alta velocidade à internet, não passariam incólumes à voracidade arrecadatória e reguladora do estado, contudo, a nossa Constituição Federal existe em grande medida para assegurar que se tribute apenas o quanto permitido em seus limites, assim, não basta que a lei denomine como serviço algo que nitidamente não tem essa conformação, como parece ser o caso aqui.
Vamos confiar nas nossas instituições, principalmente no especial poder de moderação conferido ao judiciário, para que se repare este erro legislativo e seja assegurado o direito ao livre exercício da atividade de streaming.
O enquadramento de novas situações da vida moderna à velhas estruturas pensadas para outros tempos é mais um sintoma de que o regime tributário precisa ser atualizado e simplificado, observando que a inovação tecnológica vem reformulando a atividades econômica, obrigando o direito também a se adequar ao novo, todavia, sempre pelas vias do Estado Democrático de Direito, sem arbitrariedades ou atropelos.