Superfaturamento em licitações como elemento do crime de peculato

Há critérios para a definição da ocorrência de supervalorização no crime de peculato envolvendo licitações?
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

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No final do mês de outubro, os eleitores brasileiros decidiram quem será o chefe do poder executivo pelos próximos quatro anos, sendo possível apontar que um ponto decisivo neste pleito eleitoral foi o combate à corrupção. Sagrou-se eleito aquele que se destacou por sustentar que irá levar a cabo um recrudescimento no combate à corrupção, tema que estampa quase semanalmente as capas de jornais brasileiros.

O modo com que esta proposta será executada, embora esteja tomando forma, ainda é incerto. Indiscutível, entretanto, ser possível apontar que para além dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, um dos delitos preponderantes quando se trata de proteger a administração pública é o peculato, comumente praticado por meio de fraudes em licitações, a fim de desviar valores da administração pública.

Embora seja possível fraudar a licitação de diversas maneiras, obtendo vantagem particular em desfavor do patrimônio público, um dos modos mais utilizados é o superfaturamento da licitação (que se tipifica como peculato, previsto no art. 312 do Código Penal). A definição e o consequente pagamento de um valor maior, desproporcional ao objeto ou execução do certame, asseguram ao vencedor benefício ilícito. Entretanto, reside neste ponto uma dúvida: Quando ocorre o superfaturamento da licitação?

Infelizmente não há critérios específicos que determinem a ocorrência, ou não, de superfaturamento. Embora em alguns casos seja mais fácil apontar o valor de um bem ou serviço, em outros a complexidade da execução ou aquisição pode dificultar este cálculo, tornando dúbia a ocorrência de ato criminoso.

Por exemplo, é possível pensar na avaliação de um veículo. Neste caso, a tabela FIPE fornece um preço médio do mercado nacional, podendo ser utilizada como parâmetro. Um veículo novo, que possui diversos equivalentes no mercado nacional, não deverá ter um preço tão diverso do previsto na tabela. Mas essa afirmação poderia ser feita quanto a um veículo usado?

É possível responder de maneira negativa, pois na avaliação do valor de um veículo usado há outras questões, seja seu estado de conservação ou até mesmo a existência de outras ofertas em comparação com a demanda do bem (natural do mercado), que podem levar a variações extremas no preço, como ocorre com carros de colecionadores.

Em razão disso, torna-se imprescindível a prova pericial, única apta a delimitar, em razão das características de sua produção, a ocorrência ou não do superfaturamento.

Nesta linha, o STF já havia decidido no HC 75793/RS que ‘substantivada a imputação do desvio de recursos públicos na contratação e parcial pagamento de obras superfaturadas, a realidade desse superfaturamento integrava o corpo de delito e, por conseguinte, deveria ter sido objeto de exame pericial por dois expertos oficiais’.

Breve análise da jurisprudência deste ano do TRF-1 demonstra alguns pontos relevantes:

(i) A ausência de indicação da fonte pesquisada para determinar o valor do bem, no laudo pericial, prejudica a demonstração da ocorrência do superfaturamento (ACR 0003323-09.2010.4.01.4200, j. 27/03/2018);

(ii) Na ausência de laudo pericial, em sendo o superfaturamento o modo pelo qual o agente promoveu a apropriação, desvio ou subtração de recursos públicos em proveito próprio ou alheio, inexiste prova da autoria e a absolvição deverá imperar (ACR 0007595-34.2014.4.01.3900, j. 19/02/2018);

(iii) A existência do superfaturamento depende de prova cabal, ou seja, extreme de dúvidas. A existência de dúvida acerca do faturamento, inevitavelmente, em atenção ao in dubio pro reo, deverá ser interpretada em favor do acusado (ACR 0005315-30.2009.4.01.4300, j. 17/02/2017);

(iv) Verificações in loco, auditoria, relatórios de órgãos públicos e outros meios de prova que apontem meras irregularidades não são suficientes para sustentar uma condenação, ainda mais quando divergentes de laudo pericial, em atenção ao ônus da prova. Deve haver, portanto, segurança nas informações e demonstração do superfaturamento, para além da ocorrência de proveito econômico por parte do acusado (ACR 0005319-67.2009.4.01.4300, j. 17/02/2017).

Sendo assim, não é possível definir critérios absolutos para a verificação de superfaturamento, dependendo sua constatação de análise específica caso a caso. Por outro lado, é seguro concluir que a acusação deverá provar, por meio de laudo pericial, inequivocamente, a supervalorização, demonstrando como ocorreu e justificando de que maneira foi calculada, para além da existência do proveito econômico.

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