Direito para startups: o contrato de vesting

Vesting é uma estratégia inteligente para empresas em fase inicial e com pouca disponibilidade de capital
Bruno-Herzmann-Cardoso

Bruno Herzmann Cardoso

Advogado da área de estruturação de negócios

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A inovação e a vontade de fazer diferente fazem parte do DNA de uma startup. A rotina do empreendedor envolve longas horas de pesquisa e desenvolvimento de um produto diferenciado, planejamento estratégico e até mesmo publicitário, tudo para construir aquela solução disruptiva que vai revolucionar o mercado.

Normalmente, dedicação dos envolvidos há de sobra; capital, nem tanto. Essa situação até pode ser mantida entre os sócios fundadores, que conseguem enxergar o panorama geral e sabem que a sua empresa pode compensar – e muito – todo o investimento inicial, apesar da baixa ou inexistente remuneração no começo. Todavia, a empresa pode se deparar com oportunidades que, à primeira vista, dependem de um capital que não lhe é disponível.

Isso acontece, por exemplo, quando a empresa conhece um profissional especializado e talentoso, que pode contribuir muito com o sucesso do empreendimento, mas cuja pretensão salarial está além da capacidade de pagar. A empresa, então, decide que não pode deixar a oportunidade passar e oferece, como incentivo, direito a participação de 10% na empresa. O que acontece, então, se o funcionário (agora sócio) aceita a oferta, dedica-se por alguns meses ao negócio e, então, resolve abandonar a empresa?

Imaginemos, ainda, outro problema, muito comum no mundo das emerging companies: dois sócios iniciam o projeto juntos, com participação societária dividida meio a meio. Poucos meses depois, um deles resolve abandonar o negócio, enquanto o outro permanece. Na informalidade comum ao início das startups, nenhuma alteração formal é feita no contrato social. Um ano depois, o produto ganha tração no mercado, o projeto capta investimentos e se transforma numa grande empresa. Eis que o sócio desistente entra em contato, cobrando a divisão dos lucros. Como é possível se proteger?

O contrato de vesting é uma ferramenta eficaz para a prevenção desses riscos. Trata-se de uma modalidade contratual que funde aspectos de investimento com garantia de participação societária, desde que cumpridas determinadas condições. Através de um contrato de vesting, o funcionário, o cofundador ou o investidor ganha direito gradual e progressivamente à participação societária na medida em que atende a determinadas condições  objetivamente mensuráveis, adquirindo as ações ao longo de determinado período de tempo. Nesse modelo, diz-se que o sócio “veste” as ações no decorrer do período contratual.

No caso do funcionário, é possível determinar que ele terá direito a 2% de participação apenas ao final de um ano de trabalho, depois mais 3% após o segundo ano e mais 5% ao final do terceiro. Em vez de conceder os 10% de participação no momento da contratação, a participação é concedida gradualmente e condicionada à permanência do funcionário na empresa e ao cumprimento de metas.

Também é uma boa solução para os sócios logo no início da empresa. Em vez de definir a participação fixa e imutável de cinquenta por cento para cada um, os sócios podem concordar que o direito à participação será conquistado conforme o tempo na empresa, garantindo que, no caso de desistência de um deles, o capital social seja redistribuído automaticamente em favor do sócio que permaneceu.

Há uma métrica que costuma ser utilizada nesses arranjos. Trata-se da divisão do tempo contratual em dois períodos: cliff e vesting. O cliff assemelha-se a um estágio probatório, é a fase inicial do funcionário ou sócio dentro da empresa, quando as metas mais ambiciosas são definidas, mas sem direito imediato de participação; o vesting é o período de tempo mais alongado, em que se distribui a participação conforme a permanência.

Para melhor ilustrar, imagine a contratação de um funcionário com grande potencial de contribuição à empresa. Como incentivo inicial, é possível estipular que, no primeiro ano, ele deve desenvolver um projeto estratégico à empresa, em troca do qual terá direito a 4% de participação societária (cliff), além, é claro, da sua remuneração mensal. Depois, nos próximos três anos, vestirá mais 2% das cotas ou ações ao ano (vesting), finalizando com 10%. Dessa forma, o incentivo inicial do período de cliff agrega valor à empresa ao mesmo tempo em que incentiva o funcionário/sócio a permanecer no negócio.

A inteligência do contrato de vesting é que, se o sócio desiste antes do período determinado, a participação societária lhe é conferida somente na medida em que cumpriu as condições contratuais. Assim, a empresa não dilui o próprio capital sem garantia do valor que o novo sócio agrega. Trata-se de um método meritocrático, que utiliza outras formas além da remuneração como incentivo, e pode ser aplicado tanto aos funcionários e sócios quanto a tutores, consultores e gestores.

Quando pactuado de maneira razoável, estabelecendo um horizonte de metas e de tempo realmente alcançável, ambas as partes são beneficiadas: a empresa, por aumentar seu potencial intelectual sem ter de comprometer seu capital social ou seu fluxo de caixa, e o contratado, por tornar-se sócio de um negócio sem ter de comprometer ou arriscar seus próprios recursos financeiros.

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