Microrregiões de saneamento: a governança regionalizada e o papel do executivo estadual

O TJRO valida a criação de microrregiões de saneamento, reforçando a competência do Executivo para legislar sobre políticas regionais.
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Felipe Martinez

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

O Tribunal de Justiça de Rondônia validou a instituição de microrregiões para a gestão regionalizada dos serviços de saneamento, considerando fundamental a integração entre Estado e municípios. A decisão reafirma a competência do Executivo estadual para propor leis sobre temas de interesse regional, como o saneamento, e destaca a importância de uma governança compartilhada para garantir a eficiência e a universalização de serviços essenciais.

Comentário

O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) – em decisão não unânime – validou a Lei Complementar n.º 1.200/2023, que instituiu a microrregião de águas e esgotos e sua respectiva estrutura de governança, questionada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 0813090-53.2023.8.22.0000. 

A ação foi movida pelo Prefeito de Porto Velho, que alegou violação da autonomia municipal e do pacto federativo, com base na imposição da obrigatoriedade de adesão à microrregião, entendendo que isso prejudicaria a gestão independente dos municípios sobre os serviços locais de água e esgoto. Além disso, argumentou que a norma violaria o artigo 30, I, da Constituição Federal, que assegura aos municípios a competência para legislar sobre temas de interesse local, como o saneamento básico.

O Tribunal, no entanto, rejeitou os argumentos apresentados e afirmou que a governança regionalizada no saneamento básico possui uma importância estratégica que transcende os limites municipais, e, por isso, necessita de uma abordagem integrada para garantir sua efetividade e sustentabilidade. Nesse sentido, a Lei Complementar n.º 1.200/2023 reflete essa necessidade, ao estabelecer uma microrregião com gestão interfederativa, permitindo a integração dos serviços de saneamento em uma estrutura colegiada, composta pelo Estado e pelos municípios, a fim de atender a um desafio comum.

O TJRO destacou que a criação de microrregiões é um mecanismo legítimo para a organização de políticas públicas de saneamento, em consonância com as diretrizes nacionais e estaduais, especialmente com a Lei n.º 14.026/2020, que trata do marco legal do saneamento básico. 

Além disso, abordou a competência do Governador para propor leis complementares sobre temas de interesse regional, como o saneamento, alinhando-se às orientações da legislação federal. O entendimento de que o Executivo estadual tem competência para iniciar projetos de lei que busquem centralizar serviços essenciais sob uma estrutura de governança integrada fortalece a ideia de que políticas públicas complexas exigem uma gestão que ultrapasse as fronteiras municipais.

Outro ponto relevante foi a questão da divisão de votos no Colegiado Microrregional, que o Tribunal considerou um modelo equilibrado. Com 45% dos votos para o Estado e 55% para os municípios, a divisão garante que o Estado exerça liderança sem comprometer a representatividade municipal. O TJRO entendeu que essa distribuição de votos respeita os princípios do pacto federativo, permitindo que tanto o Estado quanto os municípios participem das decisões, mantendo o equilíbrio entre centralização e autonomia municipal, fundamental para a harmonização das políticas públicas.

Por fim, a decisão ressaltou a importância da governança centralizada para a eficiência e a eficácia dos serviços de saneamento. A criação da microrregião de águas e esgotos e a implementação de uma estrutura de governança interfederativa favorecem a universalização dos serviços de água e esgoto, promovendo uma gestão estratégica que atende às necessidades da população em uma escala ampliada e coordenada. O Tribunal reforçou a constitucionalidade da Lei Complementar n.º 1.200/2023, reconhecendo que, devido à natureza e à abrangência do saneamento básico, é essencial a colaboração entre Estado e municípios, respeitando o princípio da eficiência administrativa e o direito ao acesso a serviços públicos essenciais.

Dessa forma, a decisão não apenas valida a atuação do Executivo na criação de microrregiões e na proposição de políticas públicas de interesse regional, como também abre espaço para reflexões sobre como esse entendimento legal pode refletir em outras regiões. A interpretação da competência legislativa para a criação de microrregiões e o papel do Executivo estadual na proposição de leis sobre temas de interesse regional podem ter impactos significativos – dependendo das permissões de cada Constituição Estadual –, especialmente em matérias que envolvem a colaboração entre esferas municipais e estaduais para a gestão de serviços essenciais como o saneamento básico.

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