O avanço das plataformas de streaming no mercado é inegável. Segundo o IBGE, em 2022, 43,4% dos domicílios brasileiros com TV já tinham aderido a essa forma de consumo de conteúdo.
Esses serviços consistem em uma cessão temporária do direito de uso de obras audiovisuais, permitindo o acesso e fruição do conteúdo dentro dos limites da licença concedida. Isso elimina a necessidade de download ou transferência de titularidade.
Com o progresso exponencial na forma de comunicação e a rápida ascensão do entretenimento digital, surgiu também um enorme desafio aos governos de todo o mundo para adaptar seus sistemas fiscais a essa nova realidade, principalmente ante a ausência de bens tangíveis e a capacidade das empresas operarem em múltiplas jurisdições sem a presença física substancial para sua fiscalização e definição de competência territorial.
Esse cenário desencadeou desequilíbrios concorrenciais, levantando questões sobre a necessidade de uma legislação específica. No Brasil, um dos primeiros desafios enfrentados foi a disputa fiscal entre Municípios e Estados sobre a arrecadação do tributo: seria uma hipótese de incidência do ISS (tributo municipal) ou de ICMS (tributo estadual)?
A título de contextualização, e sem a pretensão de esgotar a discussão acerca das nuances da incidência tributária, ambos os entes tentaram trazer para si esse recolhimento, justamente em razão do volume crescente dessas operações, que substituíram quase totalmente as fontes de receita advindas do comércio tradicional.
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que dirimiu a controvérsia pela incidência apenas do Imposto Municipal (ISS), tal como previsto no item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.º 116/2003, de incidência sobre as operações com programas de computador, especialmente aquelas voltadas à aquisição de software por meio físico ou eletrônico.
Assim, atualmente as empresas de streaming pagam o ISS a uma alíquota máxima de 5%, devida aos Municípios, além de 9,25% de PIS e Confins, de competência federal. Ou seja, a alíquota total efetiva dos tributos recolhidos chega ao máximo de 14,25%.
Com a Reforma Tributária incidente sobre o consumo, que impactará onerosamente o setor de serviços, principalmente aqueles que não se enquadram nas hipóteses de redução, como é o caso das empresas de streaming de Internet, aplicativos de transporte e de entrega de comida, há uma expectativa que essa alíquota chegue em 26,5%, pela aplicação do IVA dual.
Além do impacto econômico das projeções definidas pela reforma tributária, outro tema de grande relevância para o setor é sua regulamentação. O Projeto de Lei que regulamenta os serviços de vídeo sob demanda, de plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais e de televisão por protocolo de Internet foi aprovado pelo Senado em maio de 2024 e seguiu para votação na Câmara dos Deputados.
O projeto tem gerado inúmeras discussões, principalmente quanto à obrigação de recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). A Condecine foi instituída pela MP 2.228-1/2001 e já é recolhida pelo setor de exploração comercial de obras audiovisuais (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura, TV aberta).
Visando o tratamento isonômico e o equilíbrio do mercado, as empresas de streaming ficariam obrigadas ao recolhimento da contribuição, de incidência anual e numa alíquota máxima de 3% da receita bruta, podendo ser reduzida ao meio se pelo menos metade do catálogo for nacional.
As regras são válidas para todas as empresas com base no Brasil, independentemente da localização da sede ou da infraestrutura para prestação do serviço e, para calcular o tributo devido, as empresas poderão separar a receita obtida com o serviço de streaming do lucro que eventualmente possuam com outros serviços, como a oferta de conteúdos esportivos e jornalísticos e a comercialização de espaços publicitários.
Portanto, diante desse cenário altamente dinâmico, a discussão sobre a regulamentação e o recolhimento dos tributos sobre serviços digitais ainda está longe de se encerrar, considerando eventuais consequências indesejadas, como aumento de preços e redução da competitividade.
A solução desse desafio exigirá a cooperação entre empresas, governo e organizações da sociedade civil, inclusive em âmbito global, a fim de garantir um ambiente regulatório justo e equilibrado que promova a inovação e o crescimento sustentável do setor como um todo.