Respeito a regras de competência e nulidade no processo penal equivale à impunidade?

Encaminhar investigação para o Juízo competente (Justiça Eleitoral), sem anular os atos decisórios anteriormente praticados, é suficiente?
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

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Síntese

As questões de competência e nulidade no processo penal continuam a permear os discursos de injustiça e impunidade. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça precisou se manifestar sobre a competência para apuração de possíveis ilícitos de Fraude à Licitação em concurso com Caixa 2. Veja qual foi o entendimento adotado pelo Tribunal.

Comentário

Diariamente os Tribunais brasileiros enfrentam questões relativas à competência para processamento e julgamento de investigações e processos criminais, além de inúmeros pedidos de reconhecimento de nulidades. Quando tais irregularidades são reconhecidas tardiamente, invariavelmente acarretam nulidade integral do feito. A malformação do processo, via de regra, não tem como ser remediada ao final, salvo com a repetição de todos os atos, muitas vezes obstada pelo reconhecimento da prescrição.

 De fato, a jurisprudência sobre o tema às vezes oscila. É possível recordar o julgamento da questão de ordem na Ação Penal nº 937 no Supremo Tribunal Federal, em 2018 (ainda bastante criticado), que fixou tese acerca do foro por prerrogativa de função, restringindo a garantia aos crimes praticados durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Ou o julgamento do Agravo Regimental nº 4.435, em 2019, que manteve, por 06 votos a 05, o entendimento da Corte de que compete à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes comuns que possuam conexão com os crimes eleitorais.

Neste contexto, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 607.272) merece especial atenção. A Quinta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao agravo, fixando o entendimento de que ‘Ainda que não se possa reconhecer imediatamente a competência da Justiça Eleitoral, se há indícios expressos nos autos acerca da possível prática dos delitos durante o período de campanha eleitoral, com promessa de fraude de futuras licitações em caso de êxito nas eleições, é pertinente que a Justiça especializada seja provocada a decidir sobre a questão.’

Por outro lado, a medida de busca e apreensão determinada pelo Tribunal de Justiça não foi anulada, sendo possível que a Justiça Eleitoral venha a ratificar a decisão, com amparo no entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que ‘o reconhecimento da incompetência do juízo, por si só, não anula decisão cautelar, que, por isso, poderá ser ratificada pela autoridade competente’.

Logo, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça, com a devida cautela, corretamente determinou a remessa da investigação para a Justiça Eleitoral, a fim de provocá-la para que possa decidir sobre sua própria competência.  Embora a decisão do Superior Tribunal de Justiça esteja em consonância com o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal e também com o texto legal, o mesmo não se pode afirmar em relação aos efeitos ‘secundários’ da decisão (nulidade das decisões proferidas pelo juízo incompetente).

Quanto a esta questão, o artigo 564, inciso I do Código de Processo Penal determina expressamente que a nulidade ocorrerá por incompetência, suspeição ou suborno do juiz, reforçado pelo artigo 567, que dispõe que a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios. Dentre eles, estão eventuais determinações de medidas cautelares.

Admitir a possibilidade de ratificação de decisão proferida por Juiz incompetente ____ mesmo que tenha sido tomada em etapa preliminar, investigatória ____ é um equívoco processual. A incompetência do magistrado é uma afronta ao princípio do Juiz Natural. Tal garantia estabelece que o julgamento se dará perante Juízo certo e anteriormente definido. Sucessivamente, alegar que irregularidade na investigação não contaminará os atos seguintes (recebimento da denúncia, sentença, e etc.) é fazer vista grossa para a disposição do parágrafo primeiro do artigo 573 do Código de Processo Penal (que ordena a nulidade dos atos dependentes). Afinal, os atos de instrução do processo dependem das informações colhidas nos atos informativos de investigação, e estarão, de igual modo, contaminados.

Diante do grande clamor público ocasionado pela anulação de processos criminais após anos de tramitação, o que tem sido interpretado como impunidade, reforça o difícil, porém necessário, papel contra majoritário que compete ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, o reconhecimento de violações às garantias constitucionais forma o processo civilizatório e amadurece a democracia e o judiciário e não deve se curvar à opinião pública.

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