Associações civis podem pedir recuperação judicial?

Justiça está entendendo melhor essa grande questão na busca por harmonizar o uso da Lei de Recuperação e Falência (LRF) para agentes não econômicos.

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A realidade brasileira sempre endereçou as soluções de recuperação judicial e falência para pessoas jurídicas com finalidade lucrativa. Mas a possibilidade de sua aplicação para pessoas jurídicas sem essa finalidade vem ganhando coro. Afinal, não seria justo que os credores dessas entidades não acessassem os mesmos mecanismos para satisfação de seus créditos.

Com esta questão em mente, giram mais uma vez as engrenagens deste tema de grande embate jurídico no cenário brasileiro. É que esse perfil de entidade gera grande impacto na realidade econômica brasileira. Para afirmar isso, basta olhar para os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que estimam que quase três milhões de empregos formais estão vinculados a organizações da sociedade civil, com destaque para as atividades econômicas ligadas aos setores da saúde e da educação.

Nesse panorama de relevância econômica, parece não fazer sentido que soluções constantes na Lei de Recuperação e Falência (LRF) não sejam aplicáveis a entidades sem finalidade lucrativa. Fato é que, percebendo a insuficiência de ferramentas para garantia de manutenção dos créditos e sobrevivência desta grande fatia do setor econômico, os tribunais começaram a aceitar o pedido de recuperação judicial para as pessoas jurídicas sem fins lucrativos. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, em março deste ano, reestabeleceu liminar para que o Grupo Educação Metodista prosseguisse na recuperação judicial em que já estava inserido. O colegiado destacou que associações civis sem fins lucrativos, mas com atividade/ fim econômico, podem apresentar o pedido de recuperação judicial. 

Naquela oportunidade, ainda, foi trazida à discussão a controvérsia do tema e a plausibilidade do direito, quando restou decidido que, como o tema divide o entendimento jurisprudencial e doutrinário, restaria comprovada a plausibilidade alegada pelo Grupo Metodista de que a paralisação da recuperação judicial acarretaria graves danos a 2,7 mil funcionários e 18 mil alunos. Essa decisão evidenciou certa suavização da teoria da empresa e da legalidade estrita justamente diante da função social da atividade do Grupo, integrante bastante ilustrativo da importância e alcance das associações civis na economia. 

Começa a perceber a Justiça, assim, que os agentes econômicos sem fins lucrativos precisam manter a ordem e garantir sua continuidade em geração de negócios, renda e trabalho. Certamente, não é relevante para os credores a natureza desses agentes, pouco importando se almejam ou não a distribuição de lucros, desde que recebam o que lhes for devido quando necessário. Por que, então, não poderiam se valer dos mesmos direitos para satisfação desse problema da vida real, ampliando a possibilidade da lei, que já não os excluem definitivamente em seu próprio conteúdo?

Tamanha a extensão do debate, ainda haverá nova análise pelo STJ neste caso narrado quando for analisado o recurso especial interposto pelo Grupo Metodista. Nas palavras do Ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, “a possibilidade de associações civis pedirem a recuperação judicial será avaliada com profundidade pelo Tribunal”, o que nos deixa mais próximos de respostas definitivas para esta questão de tamanha abrangência no atual panorama econômico brasileiro, especialmente porque resta em grande escala debilitado com os impactos da pandemia.

De todo modo, mesmo que ainda não haja respostas pacíficas, o que podemos concluir, por enquanto, é que o cenário atual é favorável, especialmente nos Tribunais Superiores, para as associações, fundações e pessoas jurídicas sem fim lucrativo em geral que necessitem do instituto previsto na LRF. Desde que desempenhem atividade econômica relevante, comprovando a função social em juízo, estes agentes tendem a ter seus pedidos de recuperação judicial deferidos.

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