Compensação nas arbitragens de infraestrutura a partir do Decreto dos Portos

O Decreto dos Portos fomenta a compensação nas arbitragens de infraestrutura, mas traz indevidas restrições a tal possibilidade.
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Caio César Bueno Schinemann

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

O Decreto dos Portos estabelece a possibilidade de cumprimento da sentença arbitral nos contratos por ele regidos por meio da declaração de compensação de créditos. Embora seja mecanismo de ampla potencialidade nos contratos de infraestrutura, entende-se que este decreto regulou a questão de forma indevidamente restritiva por duas principais razões: a limitação à possibilidade de compensação a determinados tipos de contrato e a necessidade de anuência do ente estatal.

Comentário

A arbitragem é um mecanismo adequado de solução de conflitos voltado a demandas específicas e que jamais irá proporcionar solução aos problemas sistêmicos do Poder Judiciário e do Estado, como os gargalos da execução e o calote dos precatórios. Todavia, é possível que se pense em alternativas a tornar, por meio da arbitragem, a satisfação do direito do credor do Estado mais eficiente, sem que isso implique em qualquer prejuízo erário ou violação às regras constitucionais e legais do orçamento público.

Promover a satisfação do credor do Estado sem submetê-lo à via sacra do precatório é um potencial fomento à arbitragem nos contratos de infraestrutura. Neste aspecto, o Decreto dos Portos (n.º 10.025/2019), ao prever, dentre outas vias alternativas ao precatório, a hipótese de cumprimento da sentença arbitral por meio da compensação de haveres e deveres de natureza não tributária, incluídas as multas(art. 15, § 2º, II), é de especial interesse.

Há compensação quando se verifica a existência de créditos recíprocos entre aqueles que são mutuamente credores e devedores entre si, desde que tais créditos sejam líquidos, vencidos e fungíveis no momento em que se pretende a compensação (art. 368 e seguintes do Código Civil). Declarada a compensação, são extintas, mutuamente, as obrigações. Há, portanto, extinção da obrigação sem a necessidade de execução forçada _ no caso da Fazenda Pública, sem precatório.

Na prática, considerando que é bastante comum nos contratos administrativos em geral – e em especial nos contratos de infraestrutura – que surjam diversos débitos e créditos do contratante com o contratado e vice-versa, é evidente a potencial utilidade do instituto.

Entende-se, no entanto, que o Decreto dos Portos trata da compensação em contratos de infraestrutura de forma indevidamente restritiva. Primeiro, porque suas regras são aplicáveis aos litígios que “envolvam a Administração Pública Federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário”. Segundo, porque estabelece que a possibilidade de substituir o cumprimento de sentença arbitral via precatório pela compensação depende de acordo entre o particular e o ente estatal. Fora disso, a regra continua a ser o precatório (art. 15, caput).

A primeira restrição é indevida porque a possibilidade de compensação Administração Pública, inclusive nos contratos de infraestrutura, é ampla e não se restringe a âmbito federal ou a determinados setores. A rigor, sequer seria necessário decreto ou lei específica a autorizar a compensação. Tal possibilidade, em relação aos contratos administrativos, decorre diretamente do regime previsto Código Civil.

É igualmente inadequada a exigência de que haja acordo entre as partes para que a compensação seja possível. A compensação nunca depende da anuência da parte contrária. Trata-se de uma opção unilateral daquele que cumpre determinados requisitos legais (art. 386 do Código Civil).

O que parece ter havido no Decreto dos Portos foi uma indevida transposição à arbitragem de regra de direito administrativo material. No caso, a Lei de Relicitações (Lei n.º 13.448/2017) _ uma das leis que fundamenta o Decreto _ estabelece, em seu art. 30, autorização para que a Administração Pública Federal opere a compensação no âmbito das relicitações. Não há equivalência, pois a Lei de Relicitações diz respeito à compensação operada pela própria Administração Pública; na arbitragem, por outro lado, como método heterocomposto de solução de conflitos, será imposta a declaração de compensação às partes da arbitragem a partir dos parâmetros legais do Código Civil. A anuência do ente estatal é, aqui, irrelevante.

O Decreto dos Portos constitui iniciativa relevante ao expressamente afirmar a possibilidade de vias alternativas ao precatório para a satisfação de obrigações do ente público vendedor no âmbito da arbitragem. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que, nos termos em que dispõe, ao menos em relação à compensação, o regramento ficou bastante aquém do que era possível.

De toda forma, pelo aqui defendido, a previsão restritiva do Decreto dos Portos não impede que a compensação seja exercida de forma mais ampla. Já há base legal e constitucional a autorizar tal expediente como mecanismo de extinção das obrigações da Fazenda Pública devedora sem a submissão ao deficiente sistema de precatórios.

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