Contratação de parcerias estratégicas entre estatais e empresas privadas

A possibilidade de prospecção, mais ou menos ampla, de potenciais parceiros privados não implica dizer que há viabilidade de competição.
Raul_Dias_dos_Santos_Neto

Raul Dias dos Santos Neto

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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A Lei das Estatais colocou o tema das parcerias estratégicas em evidência ao prever a inaplicabilidade/inexigibilidade de licitação para o caso.

Ao afastar a celebração de parcerias com empresas privadas para o desenvolvimento de projetos e atividades econômicas do regime mais formal e burocrático da licitação, as estatais passaram a contar com dispositivo específico que visa a procedimento mais flexível e célere, em linha com a diretriz constitucional de atuação mais próxima a do setor privado, notadamente no caso das estatais exploradoras de atividade econômica.

Essa maior flexibilidade, contudo, não implica dizer que há liberdade irrestrita para estatais selecionarem, sem qualquer critério, privados para compor parcerias.

Tomando como paralelo, há lógica similar nos desinvestimentos de participações acionárias detidas por estatais, os quais se enquadram em dispositivo de dispensa de licitação da Lei das Estatais. Explica-se: apesar de se reconhecer a não incidência do dever de licitar nesse caso, crava-se a necessidade de procedimento competitivo que respeite os princípios da administração pública.

Essa lógica se verifica no caso das parcerias, pois apesar da inaplicabilidade da licitação, a escolha do parceiro precisa ser motivada.

A grande diferença para os desinvestimentos é que nas parcerias não há objeto pré-definido, padronizado e homogêneo, passível de ser colocado de forma objetiva para que competidores possam travar disputa de forma completamente isonômica. O objeto e formatação das parcerias (e.g. joint-venture, consórcio, contrato, etc.) não necessariamente são predefinidos e, muitas vezes, o seu delineamento depende de etapa dialógica com os interessados, o que pressupõe cooperação, interação e negociação.

Tal circunstância dificilmente é compatível com o procedimento mais estanque e formalizado da licitação ou até mesmo de um processo competitivo simplificado.

E aqui reside ponto que pode gerar confusão quanto ao correto entendimento do dispositivo que afasta a licitação para a formação de parcerias: a possibilidade de prospecção junto ao mercado, mais ou menos ampla, não implica dizer que há viabilidade de competição.

Deve haver dissociação entre procedimentos de prospecção e seleção junto ao mercado e o requisito de inviabilidade de procedimento competitivo.

Tal dissociação é relevante pelo fato de que o tema de parcerias também entrou em evidência para os órgãos de controle, com destaque ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Antes da Lei das Estatais, o TCU não se preocupava propriamente com o processo de formação de parcerias, mas apenas com questões específicas que poderiam comprometer o processo como um todo (e.g. contratação direta da empresa fruto da parceria pela estatal; privilégios indevidos para o parceiro privado). Pouco antes da Lei das Estatais, o TCU passa a ter maior preocupação com o processo de forma holística. Após a Lei das Estatais, o TCU começa a utilizar o dispositivo da norma para interferir de forma mais contundente na margem de flexibilidade dos gestores e erigir requisitos que ali não constam expressamente.

O principal incômodo do TCU está ligado a uma falta de abertura do processo a maior número de interessados na parceria, o que seria indicativo de suposta falha na motivação quanto à inviabilidade de procedimento competitivo e à vantagem da parceria (e.g. parceria entre a Telebras e a Viasat). Isso já resultou em deliberação de que a participação de interessados deve ser a mais ampla possível (caso da parceria entre ECT e Azul).

A replicação desses entendimentos tende a esvaziar a flexibilidade e celeridade concebida pela Lei das Estatais.

O desafio é que não há guia definitivo para a formação de parcerias e o procedimento deve ser calibrado caso a caso. Quanto mais simples o objeto e mais clara a forma da parceria, mais fácil é abrir o procedimento ao mercado. Quanto maior a complexidade (e.g. tecnologias de domínio restrito), mais compreensível se torna uma menor interação com o mercado.

A estruturação procedimental para verificar de forma mais ou menos ampla o interesse do mercado deve ser feita com base na premissa de dissociação supracitada. A consolidação dessa premissa é importante para que órgãos de controle não utilizem princípios abstratos de processos competitivos, para aproximar o que deveria ser algo célere e flexível de um procedimento mais formal e burocrático – o que poderia inclusive inviabilizar a formação de parcerias estratégicas.

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