De novo o trem-bala, parceiro. E agora, o brasileiro será passageiro?

Pelo prazo de 99 anos, a ANTT emite autorização para a exploração de trem de alta velocidade (TAV) entre SP e RJ.
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Thiago Lima Breus

Head da área de infraestrutura e regulatório

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Em 22.03.2023, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT emitiu autorização para a Empresa Brasileira de Trens de Alta Velocidade – TAV Brasil construir e explorar a ferrovia entre as cidades de São Paulo – SP e Rio de Janeiro – RJ pelo prazo de 99 anos.

É uma nova tentativa para a ligação ferroviária de alta velocidade entre as duas maiores capitais brasileiras, com estações previstas também em Volta Redonda – RJ e São José dos Campos – SP. A ideia desse trem surgiu em 1996, mas somente em 2007 – no influxo das obras para a Copa do Mundo de 2014 – que a empreitada ganhou fôlego na administração federal.

Os estudos técnicos então produzidos pelo Executivo estavam modelados como concessão de serviço público e foram aprovados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Na ocasião, a Corte chegou a estabelecer, inclusive, os valores para as tarifas; as passagens para a classe econômica não deveriam passar de R$ 149,05 (cento e quarenta e nove reais e oitenta e cinco centavos) em horário normal e R$ 199,73 (cento e noventa e nove reais e setenta e três centavos) em horário de pico. 

À época, alguns consórcios internacionais formados por grupos chineses, franceses, coreanos e espanhóis mostraram interesse na licitação para a concessão. Entretanto, o certame acabou sendo adiado duas vezes por falta de interessados e o projeto foi deixado de lado pelo governo federal.

Uma década depois, a construção do TAV volta à tona com a recente autorização conferida pela ANTT à empresa TAV Brasil. Agora, o projeto não está mais modelado como uma concessão de serviço público, mas como exploração de atividade econômica, afastando-se, assim, um controle mais pormenorizado pelo TCU, sem a necessidade de leilão e pagamentos de outorga, nem a definição de tarifas. O novo projeto prevê um traçado de 380 quilômetros e trens circulando com velocidade máxima de 350 km/h, de forma que a viagem entre a zona norte de São Paulo à zona oeste do Rio de Janeiro levaria aproximadamente 90 minutos.

De acordo com a autorizatária, o projeto atual tem execução orçada em R$ 50 bilhões e será custeado exclusivamente pela iniciativa privada. Por essa razão, a TAV Brasil afirma estar em busca de parceiros internacionais para o projeto. Ou seja, o modelo atual se alicerça na viabilização de investimentos privados na construção do projeto.

A Medida Provisória n.º 1.065/2021 foi o primeiro passo para a nova estruturação desses novos projetos de infraestrutura. Desde o início da sua vigência, foram recebidos cerca de 80 requerimentos de exploração de ferrovias por operadoras privadas, que já geraram 27 novas outorgas de autorização, totalizando quase 10 mil novos quilômetros de ferrovias, com um investimento aproximado de R$ 133 bilhões.

No final de 2021, a Medida Provisória foi convertida na Lei n.º 14.273 – denominada Lei de Ferrovias – regulamentada pela Resolução da ANTT n.º 5.987/2022. Denota-se da lei uma tentativa arrojada de se centrar o desenvolvimento da malha ferroviária calcado, sobretudo, no mecanismo de autorização para a exploração por operadoras ferroviárias privadas.

Por meio desse regime, responsável pelo ressurgimento do TAV entre SP e RJ, cada empresa envidará esforços para tirar o projeto do papel, assumindo todos os riscos do negócio. Assim, todas as etapas do empreendimento –– desde a obtenção dos licenciamentos, o desenvolvimento dos projetos de engenharia e de viabilidade socioeconômica e ambiental, a formalização dos pedidos de desapropriação por meio de Declaração de Utilidade Pública, a busca de financiamento e a definição das fases da obra –– são exemplos de atribuições exclusivas da autorizatária. 

Os projetos autorizados de exploração de ramais ferroviários ligando polos logísticos e portos já estão sendo muito bem avaliados pelos financiadores. Por sua vez, os chamados trens de mobilidade, como o TAV, ainda precisam se provar economicamente viáveis e são vistos ainda com desconfiança pelo mercado. A competividade da opção ferroviária diante da ponte aérea já consolidada entre Aeroporto de Congonhas – Aeroporto Santos Drummond é um dos desafios do TAV, que deve contemplar custo e logística, sob pena de ser preterido pelos usuários.

Todavia, pontos positivos fazem com que o projeto possa ganhar fôlego, como a potencial redução de emissão de CO2 por passageiro verificada em empreendimentos ferroviários de curtos e médios trajetos, como apontou pesquisa realizada na França pela UFC-Que Choisir, o que se alinha aos objetivos de desenvolvimento sustentável ratificados pelo Brasil.

Sobre o TAV, infelizmente, ainda não é despropositada a paródia da música popular:

De novo o trem-bala, parceiro.

E o brasileiro será passageiro?

Ou o projeto já está prestes a partir?

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