Decisão do STF confere maior segurança jurídica à transferência de concessões

Após mais de 18 anos, o julgamento garante maior segurança jurídica à prestação dos serviços, além de um ambiente mais atrativo aos negócios públicos.
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Pedro Lucena

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

Guilherme Soffiatti

Guilherme Soffiatti

Advogado egresso

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Síntese

Proposta em 2003, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.946 examinou a viabilidade jurídica de transferências de contratos de concessão, além de controles societários de concessionárias prestadoras de serviço público, nos termos do art. 27 da Lei de Concessões. Com o julgamento da matéria, o STF consolida o entendimento quanto à regularidade de tais operações.

Comentário

De acordo com dados do Ministério da Infraestrutura, a cada ano, no Brasil, cerca de 5% dos contratos de concessão são transferidos entre empresas que operam nos mais diversos setores de serviços públicos. De modo ainda mais específico, estabelecendo-se um recorte a partir de 2016, apenas em âmbito federal ocorreram mais de 30 transferências, seja de contratos propriamente ditos ou de controle societário de concessionárias.

Tais práticas não constituem novidade, posto que estão previstas desde a redação original da Lei Federal n.º 8.987/1995. Nesse sentido, respeitados os critérios legais previstos para a concretização das transferências ____ prévia anuência do Poder Concedente; atendimento de exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade fiscal e jurídica por parte do pretendente, além de seu comprometimento ao cumprimento das cláusulas contratuais existentes __, pode-se dizer que não só constituem condutas legais, como, em verdade, operam efeitos sociais, na medida em que, comumente, permitem a continuidade da prestação dos serviços preferencialmente à extinção do vínculo concessório.

A despeito de recorrentes realizações dessas transferências, em 2003, a constitucionalidade do art. 27 da Lei Federal n.º 8.987/1995 foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal no âmbito da mencionada ADI. Trata-se exatamente da norma legal que fundamentou diversas operações de transferências, realizadas e em curso atualmente, em diferentes setores da infraestrutura.

Passados mais de 18 anos, dando fim à insegurança jurídica relacionada ao assunto, em março de 2022, o STF concluiu o julgamento da ADI nº 2.946/DF, cujo resultado declarou improcedente o pedido – e, por consequência, acabou por declarar a constitucionalidade do art. 27 da Lei
Federal n.º 8.987/1995. Não há dúvidas de que o entendimento proferido pela Corte Constitucional firma um importante marco, prático e teórico, sobre o tema.

Prevaleceu, pois, o voto relator, que defendeu a superação da tese do caráter personalíssimo dos contratos administrativos de concessão. Em termos práticos, o racional fixado pela Corte é o seguinte: ocorrendo prévio processo licitatório a subsidiar um contrato de concessão, este poderá ser modificado em sua parcela subjetiva, substituindo-se o contratado, mesmo sem licitação, desde que respeitados os requisitos legais impostos pelo próprio art. 27 da Lei de Concessões.

Avaliando-se a complexidade técnica, os vultosos investimentos, a sensibilidade social dos setores envolvidos, bem como os longos prazos que envolvem as concessões públicas, o STF reconheceu uma dupla finalidade à norma impugnada. Isto é, nos termos do voto do relator, o mecanismo legal de transferências viabilizado pela lei de concessões ao mesmo tempo que equaciona a rigidez de tais contratos com a dinâmica volátil encontrada no domínio das relações negociais, também garante à Administração o exercício de um controle da regularidade no âmbito de tais formalizações que, conforme dito anteriormente, perpassa uma avaliação objetiva pelo Poder Concedente.

Interessante pontuar que, além dos requisitos legais, o voto do relator estabeleceu, de modo adicional, parâmetros de “controle de juridicidade do ato de transferência”, estipulando – como dever da Administração – a necessidade de se assegurar, diante do caso concreto, que: (i) o objeto da concessão, sua natureza e características particulares, admite a cessão; (ii) inexiste norma legal a vedar a transferência da concessão ou do controle societário; (iii) inexiste cláusula contratual expressa proibindo tais operações; (iv) o certame licitatório não oferece óbice à cessão; (v) a transferência, seja de que tipo for, não resulta de conluio para a transmissão da posição contratual a um concorrente; e, por fim, (vi) que não há indícios de cartelização.

O julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal constitui um marco extremamente relevante aos projetos de infraestrutura no País. Isso, porque, além de validar, no campo da jurisprudência, novas formas de compreensão dos contratos administrativos, ainda garante segurança jurídica a uma série de relações negociais já formalizadas, e em formalização, perante o setor das concessões de serviços público, que impacta, diretamente, a vida de todos os brasileiros.

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