Ferrovia 4.0: Uma “luz no fim do túnel” em matéria de responsabilidade civil por acidentes

Além de mitigar os riscos de sua ocorrência, exigência da Lei n.º 14.273/21 poderá reduzir o impacto econômico decorrente de acidentes ferroviários.
Tayane-Priscila-Tanello

Tayane Tanello

Advogada egressa

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Em 2021, foi promulgada a Lei n.º 14.273, considerada o “marco regulatório” do setor de ferrovias no Brasil. Uma das principais novidades apresentadas é o estabelecimento de um regime privado de exploração da atividade até então exercida por empresas estatais ou por particulares em regime de concessão, mas sempre sob a regulação de (quase) todos os aspectos do desenvolvimento da atividade pelo Poder Público. Agora, o particular poderá ter liberdade para definir os termos da prestação de serviços, mas assumirá integralmente os riscos advindos da operação. Há, inclusive, a possibilidade de autorregulamentação, tema que já tratamos anteriormente.

A pretensão de aproximação da atividade à livre iniciativa representa o interesse do legislador no sentido de que o mercado sirva incentivo ao aprimoramento do setor ferroviário. Prova disso é que, buscando o avanço técnico da área, a Lei dispõe que os novos contratos de concessão de ferrovias, firmados a partir da data da sua publicação, deverão provisionar recursos para o desenvolvimento tecnológico do setor. A verba deverá ser empregada para fins de pesquisa, desenvolvimento e inovação no setor, em parceria com instituições científicas, tecnológicas e de inovação, entidades brasileiras de ensino ou empresas estatais.

É inegável que a modernização do setor representa ganho em termos de produtividade e eficiência. Hoje, o uso de softwares e sistemas computacionais ainda se mostra muito incipiente no Brasil, sendo empregado para fins de carregamento, pesagem, monitoramento e descarregamento de cargas. Porém, diante do incentivo legal, poderá haver aprimoramento na segurança do desenvolvimento da atividade, tanto no transporte de produtos quanto de passageiros. Vale ressaltar que, aliado ao desenvolvimento tecnológico, o marco regulatório exige que a exploração econômica das ferrovias promova a segurança do trânsito ferroviário em áreas urbanas e rurais.

Segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), o investimento em tecnologia já é um dos responsáveis pela redução de 86,65% dos acidentes envolvendo trens no intervalo de 1997 e 2021. Diante da incipiência do modelo brasileiro, ainda há margem para redução: registros apontam a ocorrência de 11,3 acidentes por milhão de trens.km em 2021.

Atualmente, fala-se, inclusive, em “Ferrovia 4.0” como forma de importação dos conceitos inerentes à “Indústria 4.0”, em termos de desenvolvimento de ferramentas para análise de Big Data e Inteligência Artificial (IA) e utilização da Internet das Coisas (IoT) no setor ferroviário. Modelos estrangeiros dão conta de demonstrar a possibilidade de automação de trens e de manutenção, coleta e análise de dados apoiados em algoritmos para previsão e prevenção de acidentes. O emprego destas tecnologias poderá atuar em, ao menos, três dos quatros principais fatores de riscos de acidentes ferroviários: fator humano (comportamento dos indivíduos envolvidos), fator relativo aos trens (estado de conversão ou operação da unidade de transporte) e fator de meio ambiente e de estado da via férrea (conservação, sinalização e demais variáveis de entorno da via).

Em termos de responsabilidade civil, o delegatário de serviço público, via de regra, responde objetivamente pelos danos causados. Contudo, em caso de conduta omissiva, a responsabilidade civil só se caracteriza quando presente o elemento subjetivo, a culpa, que geralmente está associada ao descumprimento de determinado dever atribuído por lei de obstar a consumação do dano. É certo que, em ambos os casos, na eventualidade de a tecnologia não ser suficiente para impedir a ocorrência do acidente, ao menos poderá ser fundamento para mitigar eventual condenação da concessionária. Isso porque, na fixação de indenização, geralmente leva-se em conta as circunstâncias do acidente, principalmente em relação às práticas de cuidado efetivadas (ou não) pela prestadora do serviço para evitar a ocorrência do acidente. O desenvolvimento e implementação de tecnologias voltadas à prevenção de acidentes é um bom exemplo de conduta desejável.

Assim, o cumprimento de legislação mediante investimento em desenvolvimento tecnológico, além de reduzir drasticamente a probabilidade de acidentes, ainda poderá ser fator considerado no momento de apuração da responsabilidade civil das concessionárias, mitigando também o impacto econômico decorrente do infortúnio. No “fim do túnel”, todos os envolvidos são beneficiados.

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