(In)Segurança jurídica e a prestação privada de serviço de saneamento básico

A importância da segurança jurídica e da harmonia entre Poder Público e prestador privado para o desenvolvimento do setor de saneamento básico.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

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O Novo Marco Legal do Saneamento Básico (NMLSB) tem como objetivo universalizar o serviço público de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil. Para atingir essa meta e garantir, a milhões de brasileiros, o exercício dos direitos fundamentais conectados ao saneamento básico, o NMLSB incentiva a atuação conjunta entre o prestador privado e o Poder Público.

Entretanto, para viabilizar e assegurar os investimentos privados no setor, é necessário que exista um cenário de segurança jurídica para que as empresas tenham previsibilidade no retorno de seus investimentos e na obtenção dos resultados buscados. E nesse cenário, não há dúvida de que a segurança jurídica perpassa pela atuação prudente e equilibrada do Poder Judiciário.

Pontuado isso, apresenta-se o comportamento do Judiciário em dois cenários emblemáticos no Brasil, a saber: a privatização da Companhia Rio Grandense de Saneamento (CORSAN) e a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE).

No caso da CEDAE, em que pese o sucesso do procedimento licitatório, intentaram inúmeras ações judiciais para alterar o estabelecido no edital e paralisar a licitação. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pouco tempo antes da licitação, determinou a alteração do prazo de concessão do contrato de 35 anos para 25 anos. Tal redução, atípica à função jurisdicional, diminui consideravelmente o prazo para amortização dos investimentos, impactando negativamente no alcance da meta de universalização.

A medida do TJRJ foi suspensa em decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, à época Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Suspensão de Liminar. Todavia, faltando cinco dias para o leilão, houve nova liminar, agora do TRT-RJ, para suspender o procedimento licitatório, a qual também foi revogada pelo Ministro Luiz Fux a três dias do julgamento.

Ainda sobre o caso da CEDAE, na mesma decisão que suspendeu a liminar do TRT, o Ministro determinou que “a suspensão de toda e qualquer decisão da Justiça de Primeiro e de Segundo graus que obste, parcial ou integralmente, o andamento do certame licitatório destinado à concessão dos serviços de saneamento básico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”. Portanto, a viabilidade do leilão dependeu de decisão monocrática do Presidente do STF, fato também bastante atípico na realidade do Judiciário.

Melhor sorte não houve na licitação da CORSAN, que estava autorizada a realizar o leilão da empresa, mas impedida de transferir as ações arrematadas.

No referido caso, foi proposta ação civil por um sindicato de trabalhadores, os quais apontaram que a privatização da CORSAN violaria a Constituição Estadual. Após o indeferimento da medida liminar para suspensão em 1º Grau, o Sindicato interpôs Agravo de Instrumento e obteve o deferimento da medida, impedindo que as ações arrematadas pelo licitante vencedor lhes fossem efetivamente transferidas.

Diante do deferimento da suspensão da alienação das ações da CORSAN, foi interposto pedido de Suspensão Liminar no STF. Ocorre que, como a matéria dos autos era de competência da Constituição Estadual, a Ministra Presidente entendeu que não competia ao STF analisar a controvérsia, portanto foi mantida a decisão do TJRS.  

Nos dois casos paradigmáticos do novo cenário do saneamento básico, é possível verificar uma sucessão de medidas liminares que não permitiam a estabilização do processo licitatório. Este quadro de incertezas atenta contra segurança jurídica e, consequentemente, afeta a atração de novos investimentos privados. E a falta de investimentos é precisamente o que faz estancar o processo de universalização. Por sua vez, a falta de serviços de saneamento básico também é objeto de inúmeras intervenções do Poder Judiciário, que parece não ter coerência ao determinar a prestação do serviço, mas exigir que o administrador público o faça sem se valer do investimento privado. Está o Judiciário, por evidente, querendo ditar como a política pública deve ser executada, o que evidentemente não lhe cabe.

É fundamental que haja um ambiente de segurança jurídica para garantir a viabilização dos investimentos privados no setor de saneamento básico. Para isso, é necessário que as relações entre o Poder Público e o privado ocorram de forma harmoniosa, com a função judiciária sendo exercida de modo a buscar a pacificação e não o tumulto. É importante que o Judiciário tenha prudência em suas decisões, exercendo uma autocontenção para não plantar incertezas que afetam a atração de novos investimentos. Enquanto isso não ocorre, é necessário que os investidores privados estejam atentos aos riscos inerentes a um setor que, embora inicie uma nova fase de atração de investimentos, ainda enfrenta preconceitos maniqueístas sobre o capital privado como fonte de recursos para a prestação do serviço público.

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