Justiça Federal regulamenta conflitos sobre vícios construtivos em imóveis de programas de habitação

Portaria do TRF-4 prevê medidas para enfrentar a massificação de demandas que versam sobre vícios construtivos em imóveis de programas habitacionais.
Bruna-Furlanetto-Ferrari

Bruna Furlanetto Ferrari

Advogada da área de contencioso e arbitragem

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Portaria Conjunta n.º 10/2022, publicada em 31.08.2022 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estabelece parâmetros para o tratamento de conflitos envolvendo vícios construtivos em imóveis vinculados a programas habitacionais. Dentre outras medidas, o documento prevê o incentivo à desjudicialização dos conflitos, bem como o julgamento conjunto de demandas sobre imóveis do mesmo empreendimento para assegurar a uniformidade e eficiência das decisões.

Comentário

A crescente judicialização de conflitos envolvendo vícios construtivos em imóveis de programas habitacionais tais como o “Minha Casa Minha Vida/Casa Verde e Amarela”, do Governo Federal, tem exigido do Poder Judiciário a adoção de medidas que possam, a um só tempo, incentivar a resolução extrajudicial dos conflitos, bem como assegurar às ações já ajuizadas um tratamento célere e uniforme.

As demandas se voltam contra as construtoras responsáveis pela execução das obras e contra a Caixa Econômica Federal, a qual pode atuar tanto como fiscalizador e gerenciador dos recursos públicos utilizados para execução das obras quanto, na maioria das vezes, como agente financeiro atuante no financiamento dos imóveis. Os alegados vícios construtivos, por sua vez, consistem em defeitos ou anomalias no imóvel, causados por erros durante a execução das obras, que prejudicam ou até mesmo inviabilizam o uso do imóvel.

Muitas vezes, contudo, a judicialização da questão mostra-se desnecessária, tornando a solução da controvérsia morosa às partes e custosa ao Judiciário, que tem enfrentado a massificação de ações indenizatórias decorrentes de vícios construtivos.

Isto porque, em primeiro lugar, nem todo problema verificado no imóvel deve ser considerado como vício construtivo, podendo ter sido causados pelo mau uso do imóvel, pela ausência de manutenções necessárias ou ainda pela ocorrência de eventos caracterizados como caso fortuito ou força maior, a exemplo de desastres naturais.

Ainda, para resolver tais questões, a Caixa possui um sistema próprio de atendimento ao cidadão, chamado “Programa de Olho na Qualidade”, por meio do qual é realizado a intermediação entre consumidores e construtoras para sanar reclamações relacionadas a problemas nos imóveis, inclusive vícios construtivos. Muitas vezes, contudo, tal etapa não é observada, levando ao ajuizamento em massa de ações indenizatórias perante a Justiça Federal, que tem que lidar com um volume cada vez maior de demandas.

Para se ter ideia do expressivo número desse tipo de demanda, conforme Nota Técnica n.º 34/2021, do Centro de Inteligência da Justiça Federal, publicada em 29.03.2021, apenas nas varas federais do Paraná, entre os anos de 2017 e 2019, foram proferidas mais de 640 sentenças acerca do tema, sendo necessário um olhar especial do Judiciário a fim de manejar a massificação de demandas envolvendo vícios construtivos.

Nesse sentido, a Portaria Conjunta nº 10/2022, de 31.08.2022, publicada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estabelece parâmetros para o tratamento desses conflitos em demandas que tramitam perante a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O documento prevê um fluxo de tramitação específico para essas ações, o qual consiste nas seguintes etapas:

  • reunião de processos sobre um mesmo empreendimento para julgamento conjunto;
  • tentativa de conciliação, e
  • eleição de processos paradigma para tratamento estrutural das demandas, o que significa que, identificado o ajuizamento de demandas repetitivas sobre imóveis de um mesmo empreendimento, será estabelecido um processo representativo das controvérsias, cujo julgamento ou acordo servirá de parâmetro para os demais.

Tal Portaria visa dar maior celeridade e eficiência aos processos que versam sobre o tema, em conjunto com outras medidas adotadas pelo Judiciário em razão do crescimento de ações indenizatórias decorrente de vícios construtivos ligados a imóveis de programas de habitação.

Dentre elas, cita-se a recente criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um centro de inteligência voltado à prevenção de ações que tratam sobre vícios construtivos. A iniciativa foi tomada com base em pedidos da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a qual tem realizado o levantamento de dados acerca da matéria por meio do chamado “Projeto Vícios Construtivos”. Com as informações levantadas, já é possível perceber a massificação de ações indenizatórias envolvendo vícios em imóveis oriundos de programas de habitação em todo o Brasil, sendo que, na maioria das vezes, os problemas poderiam ser solucionados de forma extrajudicial junto à Caixa Econômica Federal.

Por meio do centro de inteligência, seguindo a Resolução nº 349/2020 do CNJ, será realizada a prevenção de ações por meio do mapeamento das causas geradoras do litígio, da verificação da possibilidade de acordo entre as partes e da criação de medidas para uniformização das decisões proferidas em demandas judiciais repetitivas relativas a vícios construtivos.

Gostou do conteúdo?

Faça seu cadastro e receba novos artigos e vídeos sobre o tema
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.