Produção antecipada de provas na esfera judicial: relevância e contornos para o processo arbitral

O posicionamento restritivo do TJSP em relação às hipóteses de antecipação orienta posturas específicas das partes na condução da formação dessa prova.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

Taís Santos de Araújo 1x1 1

Taís Santos de Araújo

Acadêmica de direito egressa

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Síntese

A produção antecipada de prova pericial pode ser necessária em diversos cenários, sendo cabível, inclusive, quando há cláusula compromissória arbitral. Apesar disso, o TJSP adotou posicionamento de que seu cabimento, quando houve eleição de arbitragem, só é possível quando houver risco de perecimento do objeto da prova. Essa decisão é um alerta para que sejam adotadas posturas específicas na condução da produção da prova, diversas daquelas que orientam a atuação no contencioso judicial.

Comentário

No âmbito dos contratos de infraestrutura, a arbitragem vem ganhando força como método para solução de conflitos entre Administração Pública e particulares. Tal como ocorre no Judiciário, a arbitragem também possui suas fragilidades, dentre as quais é possível destacar a temática probatória, uma vez que pode ser necessário recuperar informações de fatos ocorridos no passado – o que sempre é tarefa fácil. Daí a relevância da produção antecipada de provas, procedimento judicial já há muito conhecido.

Pelo CPC, a produção antecipada de provas tem lugar em três situações: (i) urgência, fundada no receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos quando da futura fase instrutória do processo litigioso; (ii) quando a prova viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito e; (iii) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o litígio.

Neste cenário, questão interessante é saber se é possível que contratantes que pactuaram cláusula compromissória venham a se valer do Judiciário para a produção antecipada dessa prova. Sobre o tema, é possível encontrar decisões relevantes, como a proferida pelo TJSP (vide Agravo de Instrumento n° 2119783-88.2019.8.26.0000). Neste caso, o Tribunal entendeu pela impossibilidade de antecipação da prova no âmbito judicial. Essa conclusão decorreu de uma interpretação restritiva do artigo 22-A da Lei Brasileira de Arbitragem. O posicionamento da Corte paulista foi no sentido de que a lei não contém previsão que justifique por si só a possibilidade de cooperação entre o juiz de direito e o árbitro, sendo imprescindível a presença do requisito de urgência.

Em que pese a tendência restritiva dos tribunais, fato é que a prova produzida em caráter de urgência também pode servir aos propósitos autocompositivos do CPC e ao binômio estímulo/desestímulo ao início de um processo arbitral. Esse fato reclama a ampliação das hipóteses de produção antecipada de provas, quando houver um contrato com cláusula compromissória para abarcar todas as três hipóteses previstas autorizadas pelo CPC. Não se pode esquecer também dos benefícios sociais derivados de soluções não litigiosa, ainda que no âmbito arbitral, devendo se compreender a produção antecipada de prova nesse contexto. Por isso, não há de se ter como imutável o posicionamento judicial do TJSP sobre os limites da produção antecipada de prova envolvendo partes que ajustaram cláusula arbitral.

Mas, ainda que essa posição judicial restritiva se mantenha, segue muito valiosa a produção antecipada de provas, em especial para contratos conectados ao setor da infraestrutura. Por serem contratos de longa duração, uma produção de prova contemporânea à situação dos fatos dará contextos mais concretos a orientar a condução da disputa arbitral. Poderá orientar, inclusive, a não instauração do processo de arbitragem e a composição por via não litigiosa.

Dentro desse contexto, a modalidade pericial de prova ganha absoluto relevo. Embora, em regra, a produção antecipada seja possível para qualquer modalidade, é certo que a prova pericial se evidencia fundamental para documentar certos incidentes que demandam imediato registro, como aqueles ocorridos em obras públicas, por exemplo. Isso, pois, o laudo pericial contemporâneo ao fato objeto do litígio tem muito mais valia do que aquele laudo produzido a partir da análise do passado. Esse passado, aliás, às vezes é tão distante, que a única perícia viável é a indireta.

E, se é verdade que a prova pericial é de enorme relevância no âmbito do Judiciário, em vista da total falta de expertise do julgador em assuntos técnicos, sua pertinência é diversa naquilo que interessa ao processo arbitral. Isso em razão de esta modalidade de solução de litígio prescindir de julgadores com formação exclusivamente jurídica. Pelo contrário, as Cortes arbitrais com muita frequência são formadas por um colegiado de especialistas em áreas diversas da ciência, com destaque (naquilo que interessa ao setor da infraestrutura) para economia, engenharia e contabilidade. O direito ocupa relevante, mas parcial, lugar no rol do conhecimento que orientará a solução do litígio.

Nesse contexto multidisciplinar da arbitragem, como deve ser aproveitada a prova pericial produzida antecipadamente em juízo? Não se pode ignorar a possibilidade de o árbitro com vasta expertise técnica naquele assunto específico da arbitragem ter posição dissonante do perito judicial (que potencialmente será mais generalista, em vista da amplitude de assuntos nos quais assessora o Juízo). Outro fator relevante é que o árbitro efetivamente julga a demanda, ao passo que o perito responde a quesitos técnicos para viabilizar o julgamento.

A resposta ao questionamento tem como ponto de partida a atuação dos assistentes técnicos das partes, no âmbito da produção antecipada da prova. Esses profissionais devem ser escolhidos à luz de seu currículo e da intimidade com a matéria da perícia. Precisam compreender as nuances de uma quesitação que irá servir de apoio a um julgador com extremo conhecimento técnico da matéria periciada. Os quesitos, portanto, devem ter uma vocação de alto conteúdo técnico, com vasta base (documental e científica). É preciso notar a diferença desse laudo, em relação àquele que se presta a informar o Juízo – cuja função é traduzir o conhecimento técnico, deixando-o acessível ao julgador). Por isso, também, o laudo dos assistentes técnicos terá muito mais peso, se comparada sua relevância no âmbito judicial. Um bom laudo, profundo, qualificado, com conclusões coerentes, confeccionado por um assistente técnico altamente credenciado, poderá ter mais valia do que o pericial, ainda que não detenha a condição subjetiva da imparcialidade.

Mesmo assim, o árbitro experto poderá chegar a conclusões distintas, seja em relação àquelas do perito judicial, seja dos assistentes técnicos das partes. Apesar disso, a carga motivacional a fundamentar essa discordância há de ser redobrada, especialmente porque perito e assistentes atuaram na produção da prova em momento contemporâneo ao fato/objeto periciado. O árbitro, não. Em verdade, irá ele se servir dos laudos e de todas as informações registradas no momento da perícia judicial, para proferir seu voto. Esse, aliás, irá se somar ao dos demais árbitros para formar a sentença arbitral. Esses demais árbitros, apesar de possuírem outras expertises, também poderão se valer da prova pericial produzida antecipadamente para orientar e fundamentar sua decisão.

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