Relicitação: decisão TCU indica que ainda temos caminho longo a se percorrer

TCU abre exceção para liberar a sequência da relicitação de São Gonçalo do Amarante, mas impõe definição final da indenização para outros projetos.
Raul_Dias_dos_Santos_Neto

Raul Dias dos Santos Neto

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

Em 18.01.2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) expediu o Acórdão 8/2023 sobre a relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante. A decisão versou sobre o tema da indenização, cuja falta de definição do valor final seria contrária ao interesse público. No entanto, como exceção, a decisão permitiu a continuidade da relicitação, mas recomendou à Agência Nacional de Aviação Civil que se abstenha de lançar editais para outros projetos de relicitação sem a aprovação final de sua Diretoria sobre o montante indenizatório.

Comentário

Um dos propósitos da Lei Federal n.º 13.448/2017 foi disciplinar a relicitação de projetos de infraestrutura como alternativa à extinção antecipada via caducidade. Basicamente, a devolução do ativo combinada com a licitação para escolha do novo prestador do serviço para se evitar ruptura na prestação de serviço e solução traumática de término contratual.

Sua regulamentação veio em 2019, sendo que o tema da indenização dos investimentos em bens reversíveis não amortizados/depreciados, principal gargalo para a edição do Decreto Federal
n.º 9.957/2019, foi objeto de disputa entre o Ministério da Infraestrutura e o Ministério da Economia que divergiam sobre a metodologia para fins de sua definição (valor contábil e valor de mercado do ativo, respectivamente).

A solução foi delegar tal decisão para as agências reguladoras competentes, as quais optaram pelo valor contábil (Resolução ANTT n.º 5.860/2019 e Resolução ANAC n.º 533/2019). Essa opção implica o cálculo prévio da indenização para a consecução da transição contratual, o que reflete intenso trabalho de apuração sobre o universo de bens reversíveis atrelados à concessão cujo contrato se visa a relicitar.

Dentre as concessões para as quais foi solicitada a devolução, a concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (ASGA) desponta como uma das mais próximas (senão a mais próxima) da efetiva relicitação.

O projeto do ASGA foi submetido ao TCU, cuja análise foi externada no Acórdão n.º 8/2023. O principal ponto: ausência de aprovação do valor de indenização, já que houve apenas apuração preliminar de tal valor pela ANAC.

Hoje, as disposições do edital indicam que o valor do lance (contribuição inicial cujo mínimo seria R$ 226.946.931,86), a ser feito pelos potenciais licitantes, deverá cobrir a indenização da concessionária. Como a lei permitiu que a indenização fosse feita como condição para a assunção da concessão por nova operadora, viabilizou-se o processamento da licitação paralelamente ao referido cálculo.

O edital ainda previu que, caso o melhor lance seja inferior ao valor indenizatório, a Administração arcará com a diferença. Somente após esse pagamento é que a nova concessionária faria o depósito dos valores.

A crítica do TCU recaiu sobre o momento da definição da indenização. Para a Corte, a separação do cálculo da licitação contrariaria o interesse público, pois haveria menor transparência e atraso do início do novo contrato em detrimento dos usuários, dos licitantes e da atual concessionária.

No entanto, o TCU decidiu permitir a continuidade do projeto do ASGA para fins da licitação, mas determinou à ANAC que se abstivesse de dar efetividade ao futuro contrato sem que o cálculo final de indenização fosse encaminhado ao TCU. Por outro lado, foi recomendado à ANAC que, para as próximas relicitações, a indenização seja aprovada por sua Diretoria antes da publicação do edital.

A principal conclusão que se extrai do processo é que o tema da indenização era e continua sendo o principal gargalo para o “sucesso” da relicitação.

A definição do valor final quando da publicação do edital seria ideal e melhoraria a visibilidade sobre a expectativa de quanto (e quando) a Administração efetuaria o pagamento de sua parte, caso necessário.

Contudo, esse ganho não parece ser superior à opção do trâmite paralelo do certame e do cálculo. Em teoria, o valor da indenização não deveria alterar o lance da futura concessionária, que será guiado pelas projeções de retorno econômico do empreendimento. Em alguma medida, é o valor de mercado do ativo que guiará o lance.

No que tange ao início do novo contrato, haveria atraso em qualquer circunstância: em um cenário, a demora para a definição da indenização e o pagamento pela Administração; no outro, a demora para o lançamento do certame, condicionado à referida definição.

É difícil estimar em qual desses cenários haveria maior demora. Todavia, em qualquer caso, haveria continuidade da prestação do serviço pela antiga concessionária, ainda que com obrigações abrandadas em função dos níveis de serviço pactuados no aditivo que impulsiona a relicitação.

A recomendação do TCU poupou o projeto do ASGA mas, certamente, compromete a celeridade de todos os outros projetos de relicitação. Considerando-se que a recomendação da Corte de Contas possui peso determinante sobre o gestor público, contra o qual passa a pesar o ônus de motivar sobre o porquê seguiria caminho distinto daquele recomendado, é de se esperar que nenhum outro edital de relicitação seja publicado antes da definição do montante de indenização.

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