TCU afasta responsabilidade por superfaturamento por falta de parâmetros de mercado

Para o TCU, há excludente de responsabilidade da contratada quando não há tabela de referência ou outras contratações para comparação com valores de mercado.
Murilo-Cesar-Taborda-Ribas

Murilo Taborda Ribas

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu importante decisão acerca do sobrepreço e/ou superfaturamento em obras públicas. O caso tratava, originalmente, de uma fiscalização realizada pelo órgão de controle sobre contrato celebrado em 2009, pela Secretaria de Portos da Presidência da República, para execução de obras de dragagem no Porto de Santos – SP.

Inicialmente, o TCU havia determinado a instauração de uma tomada de contas especial por supostos indícios de superfaturamento verificados na contratação. De acordo com instrução preliminar realizada pela unidade técnica, os problemas estariam na inclusão de uma “Margem de Incerteza” de 4,5% no cálculo do Benefício e Despesas Indiretas (BDI) e de 5% de “Despesas Eventuais” na composição dos preços unitários que teriam gerado uma superestimativa no valor de referência utilizado na licitação.

Após a instrução, em razão desses achados, o TCU concluiu pela existência de sobrepreço e de superfaturamento, julgando irregulares as contas prestadas pelas empresas e impondo condenação ao pagamento do débito e de multas individuais no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Irresignadas, as empresas interpuseram recurso para tentar reverter a decisão.

Deu certo. A partir das razões recursais apresentadas pelas empresas, o Plenário do TCU reviu sua posição e proferiu o Acórdão n.º 84/2023, dando provimento aos recursos. O principal fundamento adotado para afastar a responsabilidade das contratadas residiu sobre a inexistência de parâmetros objetivos para a avaliação do preço de mercado: à época da contratação, os serviços de dragagem não constavam de tabela oficial de referência, nem havia outros contratos públicos que pudessem servir como parâmetro para aferir os valores praticados no mercado. Por essa razão, não havia como as licitantes identificarem eventuais erros no orçamento estimativo para ajustarem seus preços, concluindo-se que não agiram com culpa na apresentação de preços acima dos valores de mercado encontrados posteriormente pelo TCU.

O sobrepreço e o superfaturamento de obras são preocupações centrais dos órgãos de controle na fiscalização de contratos públicos e, frequentemente, são alvo de grandes controvérsias a respeito da sua interpretação nos casos concretos. Nesse contexto, a decisão recente do TCU adiciona um elemento importante na avaliação sobre a configuração de sobrepreço e/ou de superfaturamento da contratação: não se afigura possível a responsabilização da empresa se não havia, durante a licitação, parâmetros técnicos e objetivos que permitissem aferir os valores praticados no mercado. Nos termos destacados pelo voto do Ministro Relator Benjamin Zymler, em um cenário em que as empresas não possuem parâmetros para aferir a compatibilidade de seus preços com os valores de mercado, estão ausentes os pressupostos objetivos necessários à sua responsabilização – nomeadamente, a culpa.

Ainda que o TCU tenha firmado importante precedente para a contratação de obras públicas, vale ressaltar que as empresas contratadas pela Administração, em regra, permanecem com o dever de verificar os valores praticados no mercado para composição de suas propostas econômicas em licitações. Isso porque a própria jurisprudência dos órgãos de controle reconhece a obrigação dessas empresas de oferecerem preços que reflitam os parâmetros de mercado, ainda que os valores fixados pela Administração no orçamento-base da licitação estejam acima daquele patamar (nesse sentido caminham os Acórdãos n.os 7053/2019, 2861/2018 e 1455/2018, todos do Plenário do TCU), sob pena de serem responsabilizadas em solidariedade com o gestor público competente.

A decisão do TCU traz importantes reflexões para a fiscalização de contratos públicos e para as empresas que participam de licitações. De todo modo, embora a decisão tenha sido favorável às empresas no caso concreto, é importante ressaltar que as empresas contratadas pela Administração têm o dever de buscar informações e comparar os preços praticados no mercado – caso existentes – para oferecerem propostas economicamente viáveis e adequadas às necessidades do Poder Público.

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