CVM propõe abertura dos FIPs ao varejo: um avanço para o mercado

Consulta pública da CVM discute mudanças que ampliam o acesso aos FIPs, trazendo oportunidades e novos desafios para administradores e gestores
Guilherme-Guerra

Guilherme Guerra

Coordenador

A Consulta Pública SDM 03/24, lançada pela CVM em 23 de dezembro de 2024, propõe atualizar o Anexo Normativo IV da Resolução CVM nº 175. A minuta moderniza o regime dos fundos de investimento em participações (FIPs) e sugere, pela primeira vez, o acesso ao investidor de varejo, até hoje restrito a qualificados e profissionais. O objetivo é ampliar o financiamento de companhias brasileiras e estimular a inovação no mercado de capitais. A abertura, contudo, não se limita a abrir portas, mas redefine o papel de administradores e gestores de carteira diante de novas exigências regulatórias.

Entre as principais salvaguardas previstas estão a limitação da responsabilidade do cotista ao capital subscrito, a proibição de chamadas adicionais de capital e a exigência de admissão das cotas à negociação em mercado organizado, com presença de formador de mercado. A minuta também estabelece limites de concentração, impõe teto de 33% para alocação no exterior e veda investimentos em sociedades em recuperação judicial. A lógica é clara: mitigar riscos inerentes a um produto de alto grau de complexidade, mas sem inviabilizar sua operação. Para os administradores, isso significa aumento de custos de conformidade e revisão de regulamentos, prospectos e sistemas de monitoramento. Para gestores, o desafio é adaptar a seleção de ativos e a comunicação com investidores menos sofisticados.

A consulta também elimina as antigas classificações de FIP, como capital semente ou empresas emergentes, substituindo-as por sufixos obrigatórios, como infraestrutura ou PDI, quando houver benefício fiscal associado. Essa simplificação facilita a compreensão do investidor, mas demanda ajustes internos. Administradores terão de adaptar documentos societários e processos assembleares, enquanto gestores precisarão alinhar suas políticas de investimento ao novo enquadramento. O ganho de clareza para o mercado deve vir acompanhado de trabalho adicional de transição para as estruturas existentes.

O ponto mais controverso é a obrigatoriedade de listagem em bolsa. A ANBIMA defendeu sua exclusão, argumentando que a simples admissão não garante negociação efetiva das cotas e pode gerar falsa sensação de liquidez. Esse debate toca diretamente na percepção de risco do investidor e na reputação dos gestores. Se a CVM mantiver a exigência, caberá ao mercado esclarecer que a negociação em bolsa não altera a natureza ilíquida do produto, cujo retorno continua atrelado ao ciclo de investimento e desinvestimento típico do private equity. Essa gestão de expectativas será central para preservar a confiança do investidor de varejo.

Outro eixo relevante é a ampliação da liberdade de estratégia. A minuta permite uso de alavancagem e derivativos em classes não destinadas ao varejo, aproximando o regime brasileiro das práticas internacionais. Essa inovação pode aumentar a competitividade do mercado, mas exige governança reforçada. Gestores e administradores terão de justificar estratégias mais complexas com dados consistentes e precisarão monitorar com mais rigor controles internos e processos de compliance. O equilíbrio entre liberdade e responsabilidade será determinante para que a mudança seja percebida como avanço real e não como risco desnecessário.

No conjunto, as alterações propostas impõem uma nova agenda para o mercado. Para os administradores, cresce a responsabilidade no desenho de regulamentos claros, na condução de assembleias eficazes e na comunicação transparente com investidores. Para os gestores, os limites de concentração, a vedação a ativos em recuperação e a necessidade de dialogar com o varejo exigem maior rigor na composição de portfólios e no esforço de educação financeira. Ambos terão de lidar com custos adicionais e processos mais complexos, mas também poderão acessar uma base mais ampla de investidores e diversificar as fontes de capital.

A abertura dos FIPs ao varejo representa uma mudança estrutural. Se bem calibrada, a Consulta Pública SDM 03/24 pode inaugurar um marco raro: ampliar o acesso do investidor comum a instrumentos de private equity sem comprometer a proteção necessária. O sucesso dependerá da capacidade de administradores e gestores de traduzir exigências regulatórias em práticas sólidas de governança, transparência e disciplina estratégica. O desafio é grande, mas a oportunidade de transformar os FIPs em ferramenta mais acessível e relevante para a economia brasileira é ainda maior.

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