Litigância predatória: quando o direito se transforma em abuso

Litigância predatória: como preservar o direito de acesso ao Judiciário sem permitir distorções que sobrecarregam e fragilizam a justiça?

Introdução

O fenômeno da litigância predatória, marcado pelo ajuizamento em massa de ações artificiais, genéricas e muitas vezes infundadas, impôs ao sistema judicial um desafio urgente: como preservar o direito de acesso à justiça sem permitir abusos. Com o aumento da quantidade de processos e a consequente sobrecarga do sistema, essa prática tornou-se um tema crescente nas discussões jurídicas.

A litigância predatória refere-se ao uso excessivo e ilícito do direito de litigar para fins ilegítimos, como o congestionamento indevido do Judiciário. Essa modalidade de abuso do direito de ação frequentemente envolve o ajuizamento de uma multiplicidade de ações, com petições repetidas, genéricas e sem documentos mínimos que as comprovem. Em muitos casos, as ações são distribuídas com base em documentos falsos e até mesmo sem o conhecimento real dos supostos autores. Essa prática coloca em risco a própria funcionalidade do sistema jurídico, cuja confiança é um pilar fundamental da sociedade.

O impacto no Judiciário 

A litigância predatória não é um conceito novo, mas suas consequências nunca foram tão sentidas. A pulverização de demandas temerárias congestiona nocivamente o Judiciário e gera prejuízos profundos para a economia. Os setores mais afetados são aqueles com interação intensiva com o Judiciário, como o bancário, aéreo, de telecomunicações e de construção.

Para as empresas desses setores, a prática se manifesta na propositura de inúmeras ações repetitivas e infundadas, objetivando a obtenção de vantagens sem base legal. Isso resulta em um aumento significativo dos custos operacionais, na perda de confiança no mercado e na redução da competitividade. Para o Judiciário, a sobrecarga agrava a morosidade processual, uma das maiores críticas ao sistema brasileiro. 

A resposta do STJ: o tema 1198

Em resposta ao problema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em um julgamento recente, fixou a tese do Tema Repetitivo 1198, definindo que “constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial para demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras da distribuição do ônus da prova”.

Essa decisão, por ser definida em recurso repetitivo, possui força de precedente vinculante e deve ser aplicada em todo o território nacional. Na prática, ela amplia as ferramentas judiciais para conter práticas abusivas, autorizando os juízes a exigir documentos como extratos bancários, cópias de contratos, comprovantes de residência e procuração atualizada com poderes específicos para avaliar a consistência da pretensão logo no início do processo. Assim, o Judiciário ganha um importante instrumento para lidar com casos de litigância abusiva de forma mais incisiva.

É fundamental, contudo, fazer uma observação importante: a litigância predatória não deve ser confundida com a litigância de massa legítima. A litigância de massa legítima, embora numerosa, decorre do exercício regular de direitos coletivos ou individuais homogêneos e é fundamental para a tutela desses direitos.  A predatória, por sua vez, visa sobrecarregar artificialmente o sistema, restringir a defesa do réu e manipular o juízo competente – muitas vezes a partir de peças padronizadas dissociadas de um caso concreto, com procurações genéricas ou ajuizadas à revelia do suposto autor da ação.

Conclusão

O julgamento do Tema 1198 pelo STJ é um marco na proteção da justiça e da cidadania e um lembrete de que o direito de ação, embora fundamental, exige responsabilidade em seu exercício. Quando usado de forma abusiva, ele deve encontrar limites jurídicos claros.

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