Até o ano passado, as debêntures incentivadas eram o principal título do mercado voltado para o financiamento da infraestrutura. O principal diferencial das debêntures incentivadas sempre foi o benefício fiscal oferecido aos investidores. A partir do início deste ano, nova lei instituiu as debêntures de infraestrutura, que passam a conviver com as emissões incentivadas como os dois principais papeis de financiamento do setor no país. Mas há ainda um caminho regulatório a ser definido, especialmente por parte dos ministérios e suas portarias da área.
Estes ativos representaram nos últimos anos um importante mecanismo para captação e financiamento dos projetos de longo prazo das companhias nacionais. As debêntures incentivadas foram instituídas em junho de 2011, por meio da Lei 12.431/11, oferecendo benefícios fiscais para captação com vistas na implementação de projetos de investimento na área de logística, transporte, aviação civil, mobilidade urbana, energia, telecomunicações, gás natural, saneamento básico e irrigação.
Ocorre que, essa estrutura jurídica pensada para as debêntures incentivadas beneficia principalmente o investidor pessoa física, ou seja, não necessariamente consegue atrair um investidor institucional relevante para o setor. Um dos exemplos de investidores de fora do alvo destas captações são, por exemplo, os fundos de pensão, uma vez que o regime tributário destas instituições já lhes confere isenção de Imposto de Renda (IR). Justamente tais investidores, os quais possuem perfil vocacionado para investimentos de longo prazo, como os de infraestrutura, não usufruem dos incentivos para subscreverem as debentures incentivadas.
Foi pensando em um novo cenário de captação que surgiram as Debêntures de Infraestrutura, criadas pela Lei n.º 14.801 de janeiro deste ano, com o objetivo de complementar as Debêntures Incentivada e expandir as fontes de captação de recursos para os projetos de infraestrutura no país.
Diferente das debêntures incentivadas, nesta nova modalidade de emissão o benefício fiscal terá como beneficiário final o emissor do papel, ou seja, o responsável pelo desenvolvimento do projeto de infraestrutura. Com este novo modelo, o qual transfere o benefício fiscal para o desenvolvedor do projeto, o custo de emissão tende a ficar mais barato que o custo de emissão via debentures incentivadas, o que deve atrair um novo perfil de investidor para tais subscrições.
A lei determina que as debêntures de infraestrutura terão que ser emitidas até 31 de dezembro de 2030 e podem conceder ao emissor da dívida redução de 30% da base de cálculo do IR e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os juros pagos aos detentores dos títulos. Se nas emissões de debêntures incentivadas as pessoas físicas eram o público-alvo, nas debêntures de infraestrutura os fundos de pensão e os estrangeiros serão os novos alvos de prospecção.
Decreto vige há seis meses, mas sem avanços para tirar as operações do papel.
No último dia 26 de março, foi assinado o Decreto n.º 11.964/24, que regulamentou às debêntures de infraestrutura e alterou regras das debêntures incentivadas. O Decreto revogou o Decreto n.º 8.874/2016, que regulamentava a Lei n.º 12.431/2011, e consolidou as normas para emissão das Debentures Incentivadas e de Infraestrutura. Desta forma, o Decreto 11.964/24 passou a regulamentar os critérios e as condições para enquadramento e acompanhamento dos projetos de investimento considerados prioritários na área de infraestrutura, para fins de emissão de debêntures de infraestrutura e incentivadas.
Setores prioritários, nos termos do Decreto 11.964/24:
- Logística e transportes, incluídos exclusivamente: rodovias; ferrovias, inclusive locomotivas e vagões; hidrovias; portos organizados e instalações portuárias, inclusive terminais de uso privado, estações de transbordo de carga e instalações portuárias de turismo; e aeródromos e instalações aeroportuárias de apoio, exceto aeródromos privados de uso privativo;
- Mobilidade urbana, incluídos exclusivamente: infraestruturas de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano; aquisição de veículos coletivos associados às infraestruturas a que se refere a alínea “a”, como trens, barcas, aeromóveis e teleféricos, exceto ônibus que não se enquadrem no disposto na alínea “c”; e (alínea c) aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás, para sistema de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano;
- Energia, incluídos exclusivamente: geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica; gás natural; produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola; produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; hidrogênio de baixo carbono; captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; e dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;
- Telecomunicações e radiodifusão;
- Saneamento básico;
- Irrigação;
- Educação pública e gratuita;
- Saúde pública e gratuita;
- Segurança pública e sistema prisional;
- Parques urbanos públicos e unidades de conservação;
- Equipamentos públicos, culturais e esportivos;
- Habitação social, incluídos exclusivamente projetos implementados por meio de Parcerias Público Privadas;
- Requalificação urbana;
- Transformação de minerais estratégicos para a transição energética;
- Iluminação pública.
Ocorre que é somente a partir das portarias ministeriais que serão estabelecidos os critérios complementares de enquadramento dos projetos. Sem a edição de portarias ministeriais, não há segurança jurídica para a estruturação de projetos voltados para a emissão de debêntures de infraestrutura, gerando um represamento de operações.
A expectativa do mercado era a de que haveria agilidade por parte dos ministérios para edição de regras complementares a partir da emissão do decreto. Ocorre que, após seis meses da edição do decreto, ainda não há regras estabelecidas por todos os ministérios que deveriam emitir regras complementares.
Somente no último dia 17 de julho, o Ministério dos Transportes emitiu a Portaria n.º 698/24, que disciplina requisitos e procedimentos para enquadramento e acompanhamento de projetos de investimento prioritários no setor de infraestrutura de transportes rodoviário e ferroviário para fins de emissão de debêntures incentivadas e de debêntures de infraestrutura. A Portaria 689/24 estabelece as condições técnicas para as novas emissões de debentures de infraestrutura e altera condições para as emissões de debentures incentivadas.
Entre as novidades previstas na Portaria 689/24, está a redução do prazo entre o protocolo pelo emissor e a verificação por parte do Ministério dos Transportes para atestar os cumprimentos dos enquadramentos (para os casos de dispensa de aprovação ministerial prévia). O prazo estabelecido é de até cinco dias uteis.
Anbima publica Boletim de Debêntures Incentivadas e de Infraestrutura com periodicidade mensal
Segundo a Anbima, as captações no mercado de debêntures incentivadas (12.431) atingiram R$ 64,45 bi no primeiro semestre deste ano. Entre os setores dos papéis emitidos, aqueles focados para empreendimento dos setores de Energia Elétrica, Transporte e Logística e Saneamento – os setores de infraestrutura – captaram, respectivamente, R$ 29,9 bi, R$ 9,00 bi e R$ 7,8 bi no semestre.
Considerando o potencial e o perfil de investimentos destes investidores institucionais – disposição ao longo prazo e mais apetite ao risco – há um novo caminho se desenhando no curto prazo para o financiamento via mercado de capitais dos projetos de infraestrutura no Brasil.