O que a reforma tributária traz de novo nas sucessões?

Reforma vai criar novas incidências e alterar a forma de calcular o ITCMD.
Andressa-Akemi-Saizaki

Andressa Saizaki

Head da área de direito tributário

O texto-base do Projeto de Lei Complementar n.º 108/2024 foi recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados. A principal atribuição do segundo projeto de lei da Reforma Tributária é a de instituir o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) e disciplinar as matérias afetas ao processo administrativo fiscal. Mas o que vem chamando a atenção são as alterações promovidas pelo projeto no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), e no Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por ato oneroso, de Bens Imóveis e Direitos a eles relativos (ITBI).

Entre as novidades introduzidas pelo projeto de lei, destaca-se a previsão de tributação pelo ITCMD da distribuição desproporcional de dividendos. O texto aprovado dispõe que serão consideradas como doações, para fins de incidência do tributo estadual, as operações realizadas entre pessoas vinculadas por mera liberalidade e sem propósito negocial comprovável.

A figura da distribuição desproporcional de resultados nas sociedades limitadas é utilizada de forma recorrente no contexto do planejamento sucessório e patrimonial. Além desta, outras operações societárias também passam a ser fatos geradores do ITCMD, como a cisão feita de forma desproporcional e o aumento ou a redução de capital social a preços diferenciados.

O projeto de lei também inova tratando de forma equiparada à doação o perdão de dívida, por mera liberalidade e sem propósito negocial, bem como a compra e venda feita à pessoa relacionada sem comprovação de capacidade financeira.

Atualmente, estas situações são bastante comuns no dia a dia principalmente nas holdings dedicadas ao planejamento patrimonial e sucessório. Uma vez equiparadas às doações e sujeitas ao pagamento de ITCMD, a opção por tais práticas deverá ser estratégica e ponderada para que não onere excessivamente as empresas. Observação: aqui, para desfazer ambiguidades de concordância, a sugestão é de reformulação, para: quando essas práticas são equiparadas às doações e estão sujeitas ao pagamento de ITCMD, é essencial que a adoção delas seja estratégica e ponderada, a fim de evitar onerar excessivamente as empresas. Vale lembrar, neste tema, que o PLP 108/2024 estabeleceu a progressividade da alíquota do ITCMD.

Relevante destacar que a legislação menciona que as novas presunções de ocorrência de doação poderão ser afastadas pela comprovação do propósito negocial. No entanto, nada explicita sobre os critérios eventualmente adotados para a definição de propósitos válidos para tal finalidade, o que pode se traduzir em litigiosidade e insegurança jurídica até o amadurecimento dos entendimentos dos entes fazendários.

Outra novidade contida no projeto de lei é a previsão de tributação dos planos de previdência privada. A discussão sobre a legalidade desta incidência vem sendo amadurecida há anos na jurisprudência. Inclusive, está em vias de conclusão pelo Supremo Tribunal Federal o julgamento do Tema 1214 que trata da Incidência do ITCMD sobre os planos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.

Em sentido contrário à tese que se encaminha no julgamento do STF, o projeto de lei estabelece que incide o ITCMD sobre a transmissão de aportes financeiros em planos de previdência privada – Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL). É mais um assunto que deve gerar discussão jurídica no âmbito dos planejamentos sucessórios.

E, por fim, segundo o texto do PL 108/24, o benefício devido em razão de contrato de risco não constituirá fato gerador de ITCMD em virtude da inexistência de uma transmissão causa mortis. Como consequência deste entendimento, os casos de contratos de previdência privada de natureza mista podem vir a ser uma opção tributariamente menos onerosa, já que a parcela referente a prêmio de seguro de vida ficará livre de tributação pelo ITCMD.

As heranças e doações envolvendo bens ou pessoas envolvidas no exterior também foram disciplinadas pelo texto-base, que definiu as incidências conforme a situação dos bens e dos envolvidos.

Outro tema de relevância para os planejamentos sucessórios diz respeito à base de cálculo do ITCMD em transmissões de participações societárias por doação/causa mortis de empresas sem ações negociadas em bolsa. O texto legal prescreve que, nestes casos, o valor de referência das quotas será determinado por metodologia tecnicamente idônea e adequada, não podendo ser o valor resultante inferior ao patrimônio líquido ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado, acrescido do fundo de comércio.

No âmbito das holdings imobiliárias, houve mudança no critério de competência. O estado do domicílio do doador/de cujus deixará de ser o competente para exigir o tributo, que será devido aos estados de localização dos imóveis.

Finalmente, o texto-base também trouxe novidade quanto ao Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, prevendo a possibilidade de antecipação do pagamento do ITBI para o momento da celebração do ato de transmissão do imóvel e estabelecendo critérios objetivos de avaliação do valor venal a ser utilizado como base de cálculo. Esta antecipação do momento da ocorrência do fato gerador de ITBI, vale lembrar, contraria o conteúdo do Tema 1124 pelo STF, onde se firmou a tese de que o fato gerador ocorre somente com o registro imobiliário, signo da efetiva transmissão.

O projeto de lei segue para aprovação do Senado, e espera-se que as modificações propostas, caso mantidas, comecem a ser implementadas por estados e municípios a partir do ano que vem.

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