A empresa e os crimes ambientais: por que a pessoa jurídica pode ser punida criminalmente?

Atente-se para a possibilidade de a pessoa jurídica responder a uma ação penal relacionada a crimes ambientais.
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Dante D’Aquino

Head da área penal empresarial

Toda atividade humana depende do meio ambiente em sentido amplo. Quando se aborda produção de bens e atividade empresarial, da mesma forma, todas as modalidades de produção de bens e serviços exploram o meio ambiente de forma direta ou indireta. A exploração do meio ambiente, historicamente, vem desde o mais rudimentar sistema de subsistência egípcio (mesopotâmico) e chega aos dias atuais de modo mais intenso, passando pelas grandes indústrias da energia nuclear e de automação do século XXI. A diferença desses dois extremos está na forma de exploração do meio ambiente: se sustentável ou não.

Contudo, apesar de a exploração das riquezas naturais sempre ter acompanhado o homem, foi a partir do desenvolvimento industrial que começaram a aparecer os primeiros impactos ambientais da exploração desmedida e da falta de cuidados com os resíduos sólidos, líquidos e gasosos da produção decorrente da atividade empresarial.

O Movimento industrial, que surgiu inicialmente na Inglaterra do séc. XVIII, e, após, espalhou-se por toda Europa continental, gerou profundas alterações no processo de produção de bens e riquezas. Por conseguinte, modificou o meio ambiente na mesma proporção. Ao longo desse desenvolvimento, o modo de produção manufatureiro foi substituído pela automação e pela geração de produtos em escala (produção em série). A atividade empresarial passou por grande transformação, gerando uma acelerada exploração com impactos diretos no meio ambiente.

Dessa forma, com a chegada da globalização, na passagem do séc. XX para o séc. XXI, e com o incremento da chamada “sociedade de risco global”, conceito utilizado pelo sociólogo alemão Ulrich Beck para denotar esse movimento global de integração econômica, social, cultural e política, percebeu-se que a atividade empresária, através de pessoas jurídicas, passou a ter grande importância nas novas configurações sociais.

Com essa reordenação de valores sociais e do conceito de meio ambiente,  houve a releitura de princípios do Direito Penal, como, por exemplo, a proposta de Klaus Tiedemann, que defende a superação do princípio de que as pessoas jurídicas não estão sujeitas ao Direito Penal, pois não praticam crimes – societas delinquere non potest.

O incremento na produção industrial decorrente da atividade empresária ocasiona, atualmente, forte desgaste das reservas de matéria prima no meio ambiente, além de produzir incalculáveis impactos ambientais com a produção de lixos tóxicos, alteração do clima, produção de chuvas ácidas, poluição dos oceanos e aquecimento global.

Ambientalistas de todo o mundo passaram, a partir da década de 70, a defender a necessidade de se conter o desenvolvimento social fundado na exploração não sustentável do meio ambiente. Desde então, a atividade empresária tem sido objeto de considerável regulamentação legislativa no Brasil, que se percebe com o expressivo incremento das normas administrativas, fiscais e com a estruturação de um sistema burocrático e regulatório para permitir o início de atividades que explorem o meio ambiente.

Licenças, alvarás, projetos de impacto ambiental, termos de ajustamento de conduta, planos de recuperação de área degradada, assessoria de empresas especializadas na área de aprovação de projetos ambientais, etc. passaram a fazer parte do cotidiano de várias frentes do desenvolvimento social como, por exemplo, a da construção civil e o do agronegócio.

A regulamentação estatal da atividade empresária não se limitou a disciplinar a exploração do meio ambiente por pessoas jurídicas. Em paralelo, o Estado brasileiro realizou, no âmbito criminal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica por delitos ambientais, conforme previsto no artigo 225 § 3º, da Constituição da República, regulamentado pela lei 9.605/98, a qual disciplina punição a empresas diretamente, além dos dirigentes, diretores e administradores.

Este processo de criminalização das pessoas jurídicas, por um lado, concorre para a inflação do Direito Penal e coloca em risco o princípio da menor incidência, ou da intervenção mínima do Direito Penal. Por outro vértice, busca realizar uma proteção mais severa do meio ambiente, premente para as futuras gerações. O surgimento de um Direito Penal que pretende tutelar bens jurídicos supraindividuais com a punição direta das empresas é uma tendência legislativa que se percebe em vários países da América e da Europa (EUA, Chile, Peru, Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, França e Alemanha). O Direito Penal avança sobre áreas como o meio ambiente, a ordem econômica, o sistema financeiro e a ordem tributária, dentre outros.

Entretanto, a legitimação desse Direito Penal esbarra na concepção constitucional do Estado Democrático, o qual se orienta pela incidência mínima do Direito Penal, cuja atuação deve se realizar somente quando nenhum outro ramo do direito puder proteger o bem jurídico visado; isto é, como ultima ratio. Trata-se do princípio da intervenção mínima, bem sintetizado por Francisco Muñoz Conde e Mercedez Garcia Arán:

O poder punitivo do Estado deve estar guiado e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes (a respeito ver Munoz Conde, Introducción, pp. 59 y ss.). As perturbações mais leves ao ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito. Daí há também de ser dito que o Direito Penal tem caráter <<subsidiário>> perante os demais ramos do ordenamento jurídico.

Para superar teoricamente esses impasses da utilização do Direito Penal em esferas onde o Direito Civil e o Direito Administrativo poderiam solucionar com eficiência, alguns doutrinadores sustentam a tese de que o Direito Penal Ambiental protege um bem jurídico por acumulação ou por aglutinação. Nessa linha, o que se quer desestimular com a incriminação é a repetição de comportamentos que, somados, irão afetar de modo significativo a vida coletiva.

Entretanto, como bem ressaltado por Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, “desde as primeiras tentativas de conceitualizar o bem jurídico aglutinador, dessa pluralidade e dispersão de normas, têm-se multiplicado os critérios e acentuado a amplitude das divergências”.

No fim das contas, a questão que se coloca é: qual a razão de permitir que a empresa responda a um processo crime, se uma multa grave, ou mesmo a interdição e o embargo da atividade, aplicados pelo Estado em procedimento administrativo já são suficientes? Por qual razão trazer tudo para a simbologia e o estigma gerados “a Empresa responde criminalmente”, se a efetiva reparação do dano ambiental pode ser eficazmente alcançada por expedientes administrativos não penais?

O que se vê, na prática, é o Estado utilizando o estigma do Direito Penal para coagir ao pagamento de impostos (no caso da sonegação fiscal) e, também, uma vez mais no caso da punição dos danos ao meio ambiente. Se na sonegação o pagamento do imposto impede a ação penal (desde que antes da denúncia), por qual razão criminalizar se a cobrança, com penhora e expropriação de bens atinge o objetivo arrecadatório do Estado? Na seara ambiental, infere-se que o objetivo é precisamente o mesmo: usar a simbologia e o estigma do direito penal para marginalizar e rotular de ilegal a atividade empresarial.

Eis o impulso que o Direito Penal promove ao desenvolvimento do País.

Cabe avaliar se, sob a ótica da política criminal do Estado, há ou não a necessidade de se reexaminar as formas de proteção do meio ambiente e se é necessário estender essa tutela penal para a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Pensamos que não, embora já exista toda sorte de decisões judiciais punindo empresas com base na legislação editada desde 1998 no País.

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