Arbitragens em rodovias e os parâmetros para a escolha de árbitros

Compreenda os critérios para escolha de árbitros em arbitragens de rodovias.
Bruno-Marzullo-Zaroni

Bruno Marzullo Zaroni

Head da área de contencioso e arbitragem

A arbitragem, enquanto metodologia de solução de conflitos envolvendo a administração pública, é uma realidade consolidada no Brasil. As dúvidas sobre a viabilidade do uso da arbitragem no ambiente público ultimaram-se diante de ampla legislação que viabilizou as convenções de arbitragem nas contratações públicas, especialmente nos setores rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário (a exemplo da Lei 13.448/2017).

Tanto por agentes privados quanto pela administração pública, especialmente em contratos de infraestrutura, a arbitragem é reconhecida como um meio eficiente para solução de disputas de alta complexidade técnica e expressiva relevância econômica.

Os fatores que estimulam a escolha pela via arbitral para solução de litígios são vários: flexibilidade procedimental, definitividade das decisões, celeridade, confidencialidade e especialidade dos árbitros.

Em grande medida, a eficiência do procedimento arbitral se explica pela viabilidade de selecionar árbitros experientes e com profundo conhecimento sobre o tema em disputa.

Daí porque se propaga a noção de que “an arbitration is only as good as the arbitrator”. Ao significar que o sucesso da arbitragem depende da competência do árbitro, a máxima enfatiza o papel fundamental deste no sistema de resolução de disputas.

Num contexto em que as partes buscam solução célere, imparcial e especializada, o árbitro atua como fator essencial. Seu conhecimento, integridade e capacidade de lidar com questões de maior complexidade ditam a eficiência e a legitimidade do procedimento arbitral.

Portanto, a escolha dos árbitros é um passo fundamental em qualquer disputa arbitral.

Sob o viés da experiência arbitral internacional, a escolha dos árbitros pauta-se pelos seguintes critérios práticos:

  • Especialização: o árbitro deve ter expertise apropriada ao tema jurídico e ao segmento econômico objeto da disputa;
  • Independência e imparcialidade: além do dever de não manter vínculos pessoais com as partes, o árbitro deve ter a capacidade de decidir com isenção e equidistância;
  • Domínio procedimental: o árbitro deve ter pleno domínio do procedimento, de modo a alcançar uma decisão que, além de passível de execução (caso não cumprida espontaneamente), observe o devido processo legal e, assim, seja imune a questionamentos sobre sua validade;
  • Disponibilidade: a disponibilidade do árbitro é um critério relevante. Árbitros renomados frequentemente têm agendas sobrecarregadas, o que pode comprometer uma solução célere e de qualidade;
  • Experiência: conquanto não seja fator determinante, a experiência pretérita é considerada critério de indicação de árbitros, sobretudo em disputas altamente técnicas.

Quando se volta para o contexto nacional, sobretudo em arbitragens no segmento de rodovias, é preciso compreender o arcabouço jurídico que disciplina a atuação dos árbitros.

Embora a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) estabeleça requisitos para que alguém possa atuar como árbitro, sua regulação é concisa. A referida lei exige do profissional a capacidade civil plena e a confiança das partes (art. 13). Além disso, explicita que, em sua atuação, “o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.”

No âmbito de disputas envolvendo a administração pública federal, nos setores de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário, outras exigências são agregadas.

Primeiramente, o Decreto Federal 10.025/2019 acrescenta aos critérios já definidos pela Lei de Arbitragem que os árbitros devem:

  1. ter conhecimento compatível com a natureza do litígio; e
  2. estar isentos de conflitos de interesse.

Ao tratar especificamente do conflito de interesse, o Decreto veda que o árbitro guarde, com as partes ou com o litígio que lhe for submetido, relações que caracterizem as hipóteses de impedimento ou suspeição de juízes do Código de Processo Civil (CPC) ou, ainda, que esteja em outras situações de conflito de interesses previstas em lei ou reconhecidas em diretrizes internacionalmente aceitas ou nas regras da instituição arbitral escolhida.

Nota-se, assim, que legislação federal, além de agregar hipóteses de recusa do julgador previstas no CPC, permite a integração de outros standards, oriundos da legislação nacional ou da experiência internacional. Sobretudo, o Decreto viabiliza a incorporação de práticas internacionais, como instrumento orientador da avaliação da imparcialidade e independência dos árbitros. Nesse âmbito de discussão, as guidelines da International Bar Association (IBA) compreendem soft laws amplamente difundidas que disciplinam a atuação dos árbitros, no que diz respeito a padrões éticos, conflitos de interesse, deveres de revelação e produção de provas. Outra fonte de tais standards comportamentais encontra-se no Código de Ética e Conduta da Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).

Em complementação ao Decreto, a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), ao dedicar capítulo aos meios alternativos de resolução de disputas, enfatiza que o “processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes.

Para o que aqui interessa, merece menção o procedimento de escolha de árbitros pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Primeiramente, vale o registro de que a escolha de árbitros pelas agências reguladoras federais é realizada em conjunto pela ENARB/PGF/AGU e Procuradorias Federais que atuam nos referidos entes. A Portaria Normativa PGF/AGU n.º 15, de 14/03/2022, promove o ato de escolha de árbitros a tema estratégico: “As decisões estratégicas referentes à composição do tribunal arbitral, à análise de viabilidade de instrumento judicial ou arbitral contra decisão proferida no litígio e a outras questões consideradas sensíveis deverão ser adotadas de comum acordo entre o coordenador da ENARB e os procuradores-chefes das procuradorias federais junto às entidades representadas, com registro no SAPIENS, observando-se as normas que dispõem sobre sigilo e restrição de acesso documental.”

No que diz respeito às disputas arbitrais do setor de rodovias no âmbito federal, a Resolução n.º 5.845/2019 regula as arbitragens no âmbito da ANTT. De modo geral, a Resolução reproduz os requisitos para a indicação de árbitros já previstos no CPC e no Decreto Federal 10.025/2019, isto é:

  1. capacidade civil plena;
  2. conhecimento compatível com a natureza do litígio; e
  3. inexistência de relações que caracterizem as hipóteses de impedimento ou suspeição de juízes, nos termos do Código de Processo Civil.

Cabe observar, por fim, que a disciplina federal não se encontra isolada.

Diversos Estados buscaram criar normas específicas para a regulação da arbitragem no âmbito da administração pública estadual, contendo aspectos particulares. Tome-se como exemplo o Decreto paulista, que disciplina o dever de revelação, exigindo que árbitro exponha “informação sobre eventual prestação de serviços que possa colocá-lo em conflito de interesses com a Administração Pública”, bem como estabelecendo que a designação de árbitros pela Administração Pública direta e suas autarquias seja previamente aprovada pelo Procurador Geral do Estado.

Encerra-se, por fim, com a conclusão de que o pleno domínio do arcabouço normativo que regula a nomeação de árbitros é fator essencial para o sucesso da arbitragem. A correta escolha dos árbitros é essencial não apenas para promover a qualidade das decisões arbitrais, mas também para inibir questionamentos sobre a validade do procedimento.

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