O mundo das contratações públicas se encontra em um momento de renovação: diversas concessões e parcerias público-privadas (PPPs) estão próximas de seu termo. Parcela significativa dessas parcerias, implementadas entre meados da década de 1990 e início dos anos 2000, consistiram nas primeiras experiências de entes públicos com estas modalidades de contratação. Trata-se, portanto, de modelos precursores, elaborados sem o amparo de “melhores práticas” ou da jurisprudência dos órgãos de controle.
Justamente porque foram concebidas em um contexto de pioneirismo, marcado pela escassez – ou, até mesmo, pela inexistência – de experiências similares, tais contratos trazem consigo uma série de lacunas e incompletudes. Diversos temas que, atualmente, pertencem à ordem do dia das concessões e PPPs sequer eram objeto de debates e controvérsias quando da redação das cláusulas contratuais. Como resultado, há aspectos que, embora sejam essenciais ao êxito da contratação, careceram de um detalhamento específico e impõem desafios aos envolvidos.
Uma das principais lacunas desses contratos está, justamente, nas providências a serem adotadas no momento de encerramento do projeto. Diferentemente das modelagens contratuais mais recentes, várias das concessões e PPPs que se encontram próximas do termo não contam com uma disciplina adequada do procedimento de extinção contratual. Tais lacunas certamente ensejam dúvidas às partes sobre como proceder em relação a temas sensíveis, como desmobilização, eventual fase de transferência de conhecimento e reversão dos bens.
Um possível caminho para solucionar esses impasses está na consensualidade administrativa. Para tanto, não é necessário que o contrato de concessão ou de PPP seja objeto de aditamento: basta que concessionária e poder concedente, dentro de um ambiente consensual, estipulem o procedimento, o prazo e as cautelas a serem observadas pelas partes. Trata-se de alternativa que encontra amplo respaldo na legislação – a exemplo do art. 26 da LINDB, que permite a celebração de compromissos administrativos para eliminar incertezas jurídicas e situações contenciosas, e das disposições legais mais recentes que possibilitam à Administração o uso de mecanismos alternativos de solução de controvérsias.
Para endereçar as lacunas contratuais, as partes podem, dentro de um ambiente consensual, construir um procedimento de extinção contratual que apresente paridade com o início da execução contratual. Assim, providências que foram observadas nos primeiros anos do contrato também podem ser adotadas para balizar a devolução do ativo ao poder concedente. A título exemplificativo, na hipótese em que as etapas iniciais do contrato de concessão tenham sido marcadas pela elaboração e pela atualização do inventário de bens reversíveis, recomenda-se que a mesma providência seja observada em seu encerramento. O mesmo raciocínio também pode ser usado para disciplinar o processo de transição: caso tenha havido uma fase de operação assistida ao início da execução contratual, também se mostra recomendável a criação de uma governança que permita que o atual operador preste suporte ao seu sucessor.
Para que essas providências tenham sucesso, é imprescindível que o procedimento de extinção contratual seja orientado pela boa-fé das partes envolvidas. Seja durante a concepção deste procedimento, seja durante a transição do ativo ao novo operador, a concessionária e o poder concedente devem adotar uma postura cooperativa, que permitam um contínuo intercâmbio de informações sobre a infraestrutura transferida. Tais medidas asseguram a transparência e a previsibilidade do procedimento de extinção do contrato, sem prejuízo à continuidade do serviço público.
A consensualidade administrativa, portanto, surge como um caminho promissor para o ciclo de renovação das concessões e PPPs que está prestes a ocorrer, transformando um potencial desafio em uma oportunidade de aprimoramento da gestão pública e das relações contratuais.