Em novembro de 2023, o presidente da República decretou que a construção pesada dedicada a obras de infraestrutura do país faz parte dos programas prioritários do governo federal como um dos setores de interesse da economia nacional. O Decreto n.° 11.789/2023, que já tem alguns meses de vigência, incluiu o setor obras de infraestrutura de grande porte no rol de programas que receberão o investimento de até 4 bilhões de reais.
De modo objetivo, a medida autorizou a União a garantir diretamente o crédito e a realizar financiamentos a empresas do segmento de obras de construção pesada para infraestrutura. Sinalizou o Governo Federal que o segmento será destinatário de vultosos aportes financeiros. Além disso, projetos de engenharia de grande porte poderão buscar garantias junto ao Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Diante deste cenário, a indústria da construção civil pesada voltada para obras de infraestrutura, como portos, aeroportos e rodovias, terá a oportunidade de participar de diversas licitações públicas, Estaduais e Federais, de obras de engenharia de grande porte. Importantes órgãos de monitoramento deste segmento da economia, como a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) e o SINICON (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura), esperam “arrancada forte”, ainda no primeiro semestre de 2024, em razão do decreto e de seus efeitos.
Os investimentos neste setor promoverão licitações públicas, e, com isso, duas esferas sensíveis do ponto de vista jurídico devem ser observadas. A primeira, relacionada a eventuais crimes ambientais. A segunda, ligada a crimes licitatórios. São, portanto, duas diretrizes legais que devem ser cuidadosamente geridas pelas empresas que operam no segmento de obras grandes de infraestrutura – a Lei 9.605/98, chamada de Lei dos Crimes Ambientais; e a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), a qual já alcançou plena vigência.
No que diz respeito à lei de crimes ambientais, há um ponto sempre sensível quando do início das obras. É que, mesmo com as licenças ambientais de instalação e operação, cedidas por órgãos administrativos como Ibama e secretarias de meio ambiente das prefeituras, nada garante que o Ministério Público esteja impedido de notificar, ou até mesmo pedir o embargo da obra, se entender que há irregularidades ambientais, inobstante a concessão de licenças válidas.
Assim ocorre porque algumas práticas são consideradas lesivas ao meio ambiente, sobretudo no início das intervenções de engenharia, pois impactam diretamente o ecossistema até então intocado. Mesmo com a autorização dos órgãos administrativos (Estado, Prefeitura, Ibama, v.g.), destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente pode sujeitar a empresa à responsabilização penal ambiental.
Da mesma forma, o comprometimento de nascentes hídricas ou a morte de animais silvestres ou em rota de migração, considerados crimes ambientais, costumam ser um problema para as empresas do segmento, resultando em sanções que, ao cabo, irão impactar no equilíbrio econômico-financeiro da obra de engenharia licitada e em execução. Diante de situações como essas, haverá encargos financeiros com demandas judiciais e extrajudiciais que poderão impactar na proporção entre os encargos do contrato administrativo e sua remuneração.
Observe-se que, desde 1998, com a edição da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), o legislador regulamentou, de forma expressa, a responsabilidade penal da empresa pelo dano ao meio ambiente e, nesta oportunidade, previu a possibilidade de aplicação de penas à pessoa jurídica causadora do dano ambiental. Portanto, a incriminação das próprias pessoas jurídicas por condutas lesivas ao meio ambiente deve ser considerada na matriz de risco do contrato das empresas que operam no segmento da construção pesada.
Note-se, por exemplo, que na hipótese de responsabilização da pessoa jurídica pelo crime ambiental, poderão ser aplicadas penas de: i) suspensão parcial ou total de atividades, quando as pessoas jurídicas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente; ii) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.; iii) proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, por até dez anos.
Por outro lado, em relação à questão licitatória propriamente dita, algumas observações gerais podem ser feitas. É que, com a edição da nova lei de licitações e contratos administrativos, destacou-se o aumento da pena imposta a todas as modalidades de fraude ou crimes licitatórios. Quem “admite, possibilita ou dá causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”, por exemplo, que são os casos em que a dispensa ou inexigibilidade de licitação revela-se fraudulenta, está sujeito a uma pena de reclusão de 04 a 08 anos. A pena, quando na modalidade de “reclusão”, e não “detenção”, admite o regime inicial fechado.
Ainda em relação a essa mudança, atente-se que a pena mínima, quando superior a 4 anos, impede a substituição por restrição de direitos (artigos 43 e 44 do Código Penal), bem como proíbe a realização de acordo de não persecução penal – ANPP – instituto previsto na Lei Anticrime que faz parte da nova sistemática de composição da justiça criminal, voltado a reduzir a carga de processos criminais dos foros.
Em linhas gerais, portanto, temos que o expressivo volume financeiro de investimentos no setor de obras pesadas de engenharia deve ser igualmente acompanhado de um trabalho consultivo preventivo a fim de se evitar que, envolvidas em grande volume de contratos e serviços, empresas da área sejam implicadas em questões criminais e comprometam o atingimento de metas fundamentais ao desenvolvimento social do país.